sábado, 15 de setembro de 2007

Trovas

Trovas
TROVAS

Ao meu grande amigo José Bandeira Brandão

SE me sorris, quando passas,
a minh’alma prasenteira
viçosa, fica sorrindo,
como a rosa na roseira.
Mas se passas, sem me olhares,
o meu coração, pequeno,
sente a magua de uma rosa,
pisada pelo sereno.

Quando te vejo, em meu peito
brota uma flor de impiedade
no lugar em que inda há pouco
soluçava uma saudade.
Mas se partes, se te ausentas,
voltam logo mais acesas
as borboletas da noite
das minhas velhas tristezas.

Os teus olhos de esmeralda
têm, nos brilhos singulares,
as seduções das florestas
e a verde atrcção dos mares.

Quando foges do meu lado,
minh’alma anciosa te espera,
como a roseira, sem rosas,
a volta da Primavera.

Se vejo as tuas roseiras
por essas manhãs cheirosas,
tenho a ilusão de estar vendo
um grande incêndio de rosas.

Aproximei-me do bosque
para ouvir os passarinhos
e os passarinhos, voando,
abandonaram seus ninhos.
Se tento ouvir das quimeras
os cantos, com que me iludo,
fogem todas, apressadas,
e o coração fica mudo.

Meu coração é uma fera,
é um leão esfomeado,
que, a rugir, vai devorando
o cadáver do Passado.

Do teu anel primoroso
a pedra viva, encarnada,
é um grande pingo de sangue
n’uma flor amorenada.

Pedi! Chamei por teu nome!
Tu te fizeste de mouca!
Dei-te um beijo, e então ficou-me
um mel de fogo na boca.

Uma Vênus tão somente
existe nos céus serenos
e em teu rosto alvinitente
vejo sempre duas Vênus.

Se a paixão deu-te um desgosto,
tens uma cura ligeira:
procura, à tarde, ao sol posto,
a sombra da laranjeira.
Se n’alma sentes ciúmes,
com teus olhos rasos d’agua,
o aroma da tua magua
mistura com os seus perfumes.
Mas, se esse arbusto impiedoso
não te acolher complacente,
vai assentar-te, saudoso,
à beira de uma corrente.
Afina o teu instrumento,
serenamente sombrio,
canta e afoga o pensamento
nas águas fundas do rio.

No jardim, quando, formosa,
colheste a rosa amarela,
perguntando o cravo à rosa: —
Quem é? — Disse a rosa: “É ela.”
E o cravo, sem teu afago,
de tal maneira chocou-se,
que sobre as águas de um lago,
desfolhado, suicidou-se.

Morto, eu peço-te esta esmola,
peço, em nome de Jesus,
que partindo esta viola,
faças d’ela a minha cruz.

Vive o homem doido e vario
por ter mais ouro na mão,
e eu seria um milionário,
se encontrasse um coração.

Quando suspiro a teu lado,
não julgues que é brincadeira,
pareço um mocho pousado
na rosa de uma roseira.

Se me volves do sobrado
um teu olhar divinal,
vejo um lírio debruçado
sobre um verde pantanal.

Nestas campinas, agora,
a relva, cheirando a flor,
tudo, tudo, tudo chora!...
Se alguém canta, é a minha dor!!
Um sabiá doce e ameno
nos seios da tarde fria,
rorejado de sereno,
descanta uma Ave-Maria.

As tuas mãos candorosas
e o teu rosto, ó feiticeira,
parecem mesmo três rosas,
e tu — o hastil da roseira.

Trindade do coração,
em que minh’alma descansa,
é minha religião: —
amor, saudade e esperança.

Qualquer frase acerba e dura
que ela me atira, eu sorrio:
pois encerra tal doçura
que parece um elogio.

O cego implora, chorando,
um pouco de luz, de pão;
e eu vivo a ti mendigando
um farrapo de ilusão.

Tão cruel é minha sina
que eu vivo esta vida austera,
como uma flor na campina,
de luto na primavera.

Do inverno adoro os rigores!...
Minh’alma, que nada espera,
nada tem que ver com as flores,
nada tem com a primavera.

Porque em lugar de um poeta
não me fez Deus um banqueiro?
Tu viverias repleta,
não de versos... de dinheiro.

Canto a tarde, o dia inteiro,
canto a noite de luar,
pois que a fama de violeiro
só Deus me pode tirar.
Neste sertão não respeito
nem viola nem cantador!
Comigo é preciso jeito!
Não podem com a minha dor!
Se vocês estão folgando,
é porque não sabem, não,
como o ciúme está sambando
cá dentro do coração.

Podem brincar à vontade,
ao som do canto dançar!...
Gosto de ver a saudade
lacrimejando a sambar!

Na tua branca janela,
bate o luar de marfim!
Eu quero crucificar-me
nas flores do teu jardim.
Se és minha cruz, sou teu Cristo!
Hei de cumprir meu fadário!
Na tua branca janela
é onde está meu calvário,
No teu jardim toda a noite
choro estas trovas fagueiras!...
Rezo n’ele, como Cristo
no Jardim das Oliveiras.
No teu canteiro de rosas
também sinto maus odores!
Será talvez o cadáver
de um coração entre as flores!?

“Quais são as cores do beijo?”
ela a mim me perguntou!
— Os teus — lhe disse — são verdes!
Maduros — os que eu te dou.

No meu livro de orações
guardo uma rosa sombria,
que das preces do meu livro
é a mais bela Ave-Maria.

A dor mandou que eu chorasse,
para alívio dos pesares,
mas já não tendo mais lágrimas,
estou chorando cantares.

Muita imagem lá na igreja
sorri, com um sorriso etéreo!
Mas quando sais lá da igreja,
a igreja fica tão triste
que parece um cemitério!

Não tenho mais uma lágrima
no cofre do peito meu!
Quantas pedras preciosas
o coração derreteu!

Quis contar a minha vida
das flores à mais formosa,
mas de pronto arrependi-me,
fiquei com pena da rosa.

Tu partes hoje, querida!...
Muito a noite já chorou!
Para te dar os adeuses,
até o sol madrugou.

No luar deste silèncio,
d’esta noite abençoada,
parece andar pelos ares
uma trova enfeitiçada.

Todo o azul do firmamento,
quando em meus olhos te miras,
corre doido em tuas veias,
como um bando de safiras.

Juntando os lábios à terra,
teu nome eu disse baixinho,
e quando o dia brotava,
brotou da terra um espinho.

No deserto do teu peito,
dia e noite perfumados,
se levantam, veludosos,
dois montes acaboclados.

Quando me negas um beijo,
sacodes os meus pesares,
como o vento das procelas
na branca areia das praias,
sacode a espuma dos mares.

O meu amor, que é de fogo,
não dá flores entre o gelo...
O coração das mulheres
é escasso para contê-lo.

Esses teus olhos formosos
de um azul límpido e leve,
são como dois beija-flores
n’um ninho feito de neve.

Tu remoças dia a dia,
e eu vivo mais alquebrado:
dá-me o beijo prometido,
para eu morrer descansado.

Quando passas pela estrada,
acendendo mil desejos,
atrás de ti vais deixando
um doce cheiro de beijos.

Tu queres crucificar-me?
Abre os braços! Forma a cruz!
Dá-me o fel que tens nos lábios!
Morrerei, como Jesus.

Quando passas pelas rosas,
soluçando os teus odores,
eu ouço os jardins rezando
um Padre-Nosso de flores.

Saias ontem da igreja,
depois da missa acabar,
e eu gritei: — olha uma Santa,
fugindo do seu altar.

Eu tive um sonho esta noite,
que não me sai da lembrança:
sonhei que eu via a Saudade
chorando aos pés da Esperança!
Depois eu tive outro sonho
de oposta desigualdade:
sonhei que eu via a Esperança,
chorando aos pés da Saudade!!

Não há maior desventura
neste mundo desgraçado,
que ver um bardo, um poeta,
por uma mulher formosa
deveras apaixonado.
Mas não há coisa mais bela,
para quem é sonhador,
do que vê-lo inebriado
pelo sorrir de uma flor.

Prefiro a Dor ao Prazer,
por esta razão somente:
todo o Prazer vai-se embora,
toda a Dor fica com a gente.

Não há nada neste mundo
que mais me possa inspirar
que um cemitério de noite,
sonhando à luz do luar.

Quando mais com uma ferida
tu me feres... eu não choro!
É mais uma boca aberta,
para eu dizer que te adoro.

Tu és feia, mas contudo,
vejo em ti muita poesia:
se teu rosto é um lírio murcho,
tua alma é uma Ave-Maria.

A Primavera é tão boa,
preza tanto as nossas dores,
que até mesmo o cemitério
enfeita todo de flores.

Tu bem sabes toda a história
deste amor, hoje desfeito:
nasceu dentro de minh’alma
e sepultou-se em teu peito.

Quem dormir sobre teu peito
uma noite bem dormida,
há de acordar no outro dia
com a ilusão apodrecida.

Meu ideal era ver-te,
formosa, como tu és,
amando a todos os homens
e eles todos a teus pés.

Tens tanta flor na janela,
que mais um jardim parece;
no entanto, só quando chegas,
é que a janela floresce.

“Que flor tu querias ser”,
se um dia me perguntasses,
— um mal-me-quer — eu diria,
para que me desfolhasses.

Para mim, a maior glória,
mais sublime e ambicionada,
era eu ser a sepultura
onde fosses enterrada.

Sou como a flor. E os brilhantes
que trazes, de alto valor,
não são pingos de sereno,
que mata a sede da flor!

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