quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Quitéria

: Uma homenagem à santa de mesmo nome


Amor, caleidoscópio em diversos matizes;
Maltrata, acaricia e depois vai embora...
Ri-se de tudo sempre e, de súbito, chora.
Pois, plenos de alegria, estamos infelizes.

No seu lamento triste expiam-se deslizes,
Toda nossa emoção explode e já se aflora
E a saudade voraz voltando, se demora.
As dores deste amor peço-te que amenizes.

A cada novo sonho, uma nova mudança.
Sobrevivendo pleno em toda em toda insegurança
Já traz a solidão em tua companhia

Trazendo a solução, aumenta o meu tormento.
Quando julgamos morto, é puro avivamento...
Quitéria, nosso amor, u’a cruel fantasia!
Ditoso quem amou e de amor foi semente...
O brilho, em sua, vida espelha as esperanças,
Enquanto minha dor espera por mudanças
Que nunca mais virão. Vagando qual demente

Em meio ao negro céu; o meu olhar, ausente,
Guardando, na minha alma, o resto das lembranças,
Com meu final, medonho, estreita as alianças...
A dor deste vazio, o meu coração sente...

Quem dera ser feliz! Um vento mais ameno,
Um sono mais tranqüilo, um mar de amor sereno...
Será que enfim mereço, um dia, ser feliz?

Não creio e não persigo, os maus presságios traçam
A linha do futuro e nem sequer disfarçam...
O quadro doloroso escrito em sangue e giz...

Quezia: Fragrância, do hebraico Cássia.

Nos perfumes que guardo; alguns, especiais.
De flores em perfeito amor primaveril.
Perfume penetrante ou doce e tão sutil,
Amor que se transforma em belos festivais

Onde um sentido impera acima de outros tais.
No aroma de uma flor quem nunca se sentiu
Extasiado. Um sol, enamorado, viu
Na flor e no perfume o sonho que jamais

Um dia pensou ter. E tão embevecido,
O deus mais poderoso estava assim vencido.
E deste amor surgiu u’a flor, o girassol.

Assim também fiquei ao ver tua beleza,
Quézia, e desde este dia eu guardo uma certeza:
O teu perfume invade e guia-me, farol!
"Por muito frio que seja o inverno, é sempre seguido pela primavera."

Eddie Vedder


Quando partiste, amor, me deixaste perdido...
Minha manhã vazia, a vida em desatino...
Maldisse a vida tanto, o mundo e meu destino...
Seria bem melhor, é certo, ter morrido!

Nessa ferida aberta, um pranto desvalido,
Um lamento cruel, coração assassino!
A morte, em plena vida, um canto em desafino...
Como se para a treva, em vida, tivesse ido...

Mas hoje, ao ver distante, o templo desta dor,
Amor que fora gelo, agora me traz flor
Brotada desse adubo: a morte da quimera!

Do frio deste inverno, a solidão, surgiu
Florida e perfumada. A vida que era vil,
Se transforma, um segundo, em bela primavera!
Preciso do seu colo em meio a tantas urzes...
Na bebida que trago, estrago meu futuro
E trago, assim de banda, um horizonte duro.
Nas costas, sinto a dor e o peso destas cruzes!

Abandonado a esmo, esqueceste de mim,
Num pântano sombrio, em podridão medonha!
A vida que procuro e tento ter, risonha,
Esvai-se num segundo, espero pelo fim.

Meu barco vai sem rumo em meio a más notícias.
Esquecido, num canto, aguardo por carícias
De quem sempre desejo e jamais consegui.

Sou vate sem estrela; um ébrio, um lunático;
Por saber que jamais virás, eu sou enfático:
O sonho desta morte: o que melhor vivi!
"O sonho e a esperança são dois calmantes que a natureza concede ao homem."

Frederico I


Nos tormentos, imerso, atravessei a vida...
Em busca desse amor, há muito destroçado
Pelas garras da pantera. Estou muito cansado
Da luta tão inglória e sempre, sei, perdida!

De tanto triste adeus, de tanta despedida,
Carrego o coração cego, morto e calado.
Cada mar que navego, um barco naufragado.
Da sorte que não tenho, a voz tão esquecida...

Porém a minha vida esconde jóia rara
Que em plena noite escura, um lume já me aclara.
Que seria de mim? Um resto vil, medonho...

Quem teve tanta dor em doses alarmantes,
Recebe, da natura, os mágicos calmantes:
Esperança divina e o mavioso sonho...
"Onde há muito sentimento, há muita dor."

Leonardo da Vinci



Eu carrego comigo uma certeza amarga:
Por vezes esquecida em momentos de amor!
A mão mais carinhosa, aberta num louvor,
Nossos caminhos vis, por vezes ela alarga.

No momento seguinte uma voz já se embarga
Imersa totalmente em pálido torpor,
Quem fora mais risonho afoga-se na dor...
Neste peito sofrido a marca de uma adaga

Que penetrantemente, esmaga o coração.
E nos traz, quase sempre, a triste solidão!
Quem fora feito amor, esvai-se no tormento...

Nos gumes desta faca, a cicatriz medonha.
Em lágrimas termina a promessa risonha...
A dor sempre acompanha um grande sentimento!
"Os homens não conhecem o que conhecem os deuses. O que, às vezes, os homens consideram como uma
verdadeira desgraça, nada mais é que um verdadeiro bem para seu aperfeiçoamento moral".

Sócrates


Por vezes a desgraça em nossa porta chega.
A dor vem e maltrata, arrasa nosso sonho!
O rosto da quimera espreita-nos, risonho.
É maldição divina, uma tortura cega.

O peso que a saudade, em lágrimas, carrega,
Deixando nosso rumo em vão e tão medonho,
Deixando nossa vida, um mar só e tristonho...
Em qualquer porto ou cais, a vida não se apega...

Assim, por tanto tempo, observei minhas dores,
Minha esperança morta, assim como os amores.
Outono, em minha vida, ensina que o fatal

Sofrimento me ensina e, sendo um aprendiz
Atento já percebo: um homem que é feliz
Das dores erigiu a perfeição moral!
"Fazemos tudo para conquistar um coração mas muito pouco para o conservar."

Jacques Deval


Conquistar teu amor! Meu mais dileto feito...
Andavas toda nua em um sonho divino.
Guardadas no meu peito, as ânsias dum menino.
O mundo em harmonia, amor mais que perfeito!

Pensava que era Deus; a deusa no meu leito...
A noite em fantasia, o riso em desatino...
Na tua boca o gozo... Em sonho me alucino!
Não tinha nem sequer a sombra de um defeito.

Porém, a vida ensina a quem nunca cultiva.
A chaga que te mostro, exposta em carne viva,
Demonstra que fui tolo agindo sem pensar.

Perdi a quem amava, a quem eu tanto quis,
Minha alma se transtorna, estou tão infeliz...
Amor que conquistei, não soube conservar!
“Não acrescente dias à sua vida, mas vida aos seus dias.”

Harry Benjamin


A morte se aproxima intensa e violenta
Calando tanto sonho em mar tão revoltoso..
De tudo o que queria, um mundo mavioso,
A vida não me deu, mas minha alma acalenta

Esperança divina. A luta que se enfrenta
Por um tempo feliz, um mundo generoso,
Desfaz-se no meu peito, amargo e venenoso!
O fim de inútil luta, a lágrima arrebenta.

Do pouco que me resta , eu busco meu prazer,
Não tenho, na verdade, o medo de morrer.
Bem sei do meu final. Mas quero as alegrias

Do riso de criança escondido no peito.
Do gozo tão sincero, enorme e satisfeito!
Da vida? Nem um dia! E de vida, plenos dias!
"O oposto da vida não é a morte, é a indiferença."

Erik Wiesel

Não quero tua morte. Isso jamais seria
Um sentimento duro o bastante p’ra ti!
Pois todo esse tormento, em vão, que já vivi;
Não pode ter a força a qual se pretendia.

Néscio, cruel, mordaz o mundo onde vivia
A tua mocidade. Estou melhor aqui
Distante do que foste, e já sobrevivi.
O breu que trazes na alma, impede a luz do dia!

Caminhas sem destino, errante e sem paragem.
Pegadas nunca vejo em teu rumo e viagem.
Desculpe se te fiz o mal, ou mesmo ofensa...

Não passas do vazio, eu juro, não te odeio.
T’a morte não desejo, a isso estou alheio.
Ao contrário, só tenho, em meu peito, indiferença!
É coisa já esquecida, de tão sabida, que uma árvore, uma pedra, uma nascente, podem ser o paraíso de nossa vida. Ramón de Campoamor



Procuras paraíso em coisas tão incríveis
Rara preciosidade, amor que nunca chega,
Na louca liberdade e no barco que navega
Um mar em tempestade, os ventos invencíveis!

Procuras a beleza em sonhos invisíveis,
Na fortuna e prazer. A dor, tonta, trafega
Na luz que tanto brilha e quase sempre cega.
Nos sonhos de vingança, as noites mais terríveis...

Procuras ser feliz nas roupas e nas jóias.
O mundo que maltrata esquece-se das bóias,
A Terra que jamais sonhaste repartida

Traz-nos o paraíso em simples e banais
Aspectos: na atitude, em formas naturais,
Na fonte, na nascente, o paraíso em vida!
É no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas. Tolstoi


Um universo inteiro está no coração
De quem amar a vida e saber-se perfeito.
Pois sabe que esse mundo em tanto amor foi feito
Que tem a dimensão exata do perdão!

Muitas vezes dizer sim se queres o não
É como se roubasse, isso não é direito,
A chance de mostrar tua forma e teu jeito
De encarar esse mundo. E nunca minta em vão,

A verdade liberta, embora dolorosa.
O Deus que, em amor, fez o perfume e a rosa,
Também lhe deu o espinho, arma de proteção.

Evite causar dor, evite o sofrimento.
Nunca se esqueça amigo em um sequer momento:
Princípio e fim de tudo, está no coração!
Este gosto maligno invade minha boca,
O manto cristalino esvai-se na fumaça...
Um corpo ensangüentado e roído por traça
Abandonado a esmo, a lua não retoca

E deixa à própria sorte, abrindo a dura toca
Onde se esconde a dor que, fera já me abraça.
O gosto amaro, fel, um copo de cachaça
E a noite vai passando impávida e tão louca...

Nos segredos que guardo amores não vividos...
Esperança abandona os sonhos esquecidos
Na mesa deste bar. Cicatriz que lateja

Dos tempos que pensei nos assentos divinos
De tal felicidade. Amores assassinos,
Uma alma enlouquecida espreita e já deseja!

Anorética

Nesta escuridão plena, um resto perambula...
Meu caminho está cego e nunca encontro luz,
Espelho de minha alma em trevas se reluz,
Quem dera se soubesse a cura. Cadê bula?

Me resta esta penumbra, minha alma deambula
Por mares de tristeza. Efeito que produz
O canto da saudade... enorme, minha cruz,
Afortunadamente, espero que me engula

E não deixe nem sequer os ossos pro banquete
Da saudade chacal. Peito é uma maquete
Do mausoléu que espera a minha alma caquética!

Invoco a tempestade, um lamento terrível
Ecoa em pleno vento, o som dorido, incrível,
De minha decomposta alma fria, anorética!
"Aprende, como uma das tuas primeiras obrigações, a dominar-te a ti mesmo."

Pitágoras


Tantas vezes na vida, impera o meu desejo!
Esqueço-me de tudo e penso ser normal
A fúria com que trato, às vezes imoral,
Sem ter menor domínio, os erros não revejo.

Eu sinto que magôo e, percebo, não vejo
As marcas que provoco, a dor de tanto mal...
Agindo assim, bem sei, pareço um animal
Que, mesmo sem pensar, a quem amar alvejo.

São erros que cometo, embalde os reconheça,
Que fazem com que saiba, amor eu não mereça.
A noite vou vagando, a minha vida a esmo.

Preciso, mesmo tarde, aprender as lições
Que a vida sempre traz, minhas obrigações:
Eu preciso saber dominar a mim mesmo!

"Amar é deixar de comparar."

Bernard Grasset

Esqueça teu passado, imploro-te querida...
Bem sei que foste brilho em meio a noite escura,
Bem sei que já tiveste o beijo da ternura,
Porém se estás sozinha, a dor da despedida,

A morte de quem foi razão de tua vida
Não pode ser assim uma eterna amargura.
Eu sei, sou imperfeito. Espero ser a cura
Poder cicatrizar essa enorme ferida.

Quando falas de amor nos nossos, bons, momentos;
Recebo desta noite os mansos, doces, ventos...
Eu sou o teu futuro, e nele vou morar.

Eu quero teu amor, esteja disso certa,
Eu quero em nossa casa a porta sempre aberta...
Se queres ser feliz, deixe de comparar...
"A medida do amor é não ter medida."

Santo Agostinho


Te amo profundamente, estrela do meu céu!
Imerso na amplidão de todo belo astral,
Persigo seu perfume, amor fenomenal
Que vai pelo infinito etéreo; meu corcel.

Enorme, na esperança, o mundo sem fronteira...
Amor, que ouso cantar, nestes meus pobres versos..
Percorre sem saber múltiplos universos.
Esse amor, imortal, se dispersa sem beira

Sem limite e final. É dom que se procura
Eterno, santifica, em lágrimas me cura...
É tudo que se pretendo, inclui a própria vida!

Estrela, o meu amor intenso e sem defesa,
A mão de Deus o fez num dia de grandeza
Total e verdadeira: amor não tem medida!

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O Vermelho e o Amarelo

Durante minha estada pela cidade de E..., no interior de Minas, conheci uma figura extremamente interessante.
Filho de uma família daquelas que podemos chamar de tradicionais, herdeiro de uma das maiores fortunas em café e gado na região, tinha algumas características bastante marcantes.
A começar pelos cabelos, ralos e precocemente prateados, como se a lua nova quisesse se mostrar mais forte e adiantara um plenilúnio no mínimo interessante. De uma força física inversamente proporcional à sua capacidade intelectual era famoso pelas confusões que aprontara durante a juventude o que lhe dera, além da fama, algumas cicatrizes pelo corpo, principalmente na face.
Isso justificava seu apelido Touro. Pelo menos era o que ele pensava.
Dono de seus trinta e poucos anos Gilberto, esse era seu nome, tinha se casado com uma das mais belas e interessantes mulheres da região, Carminha que, não se sabe se por posição social ou por um destes injustificáveis arroubos da mocidade, resolvera se casar com o famoso brutamontes.
Aliás, isso é extremamente comum entre as adolescentes e as mais jovens.
Com a venda da imagem do príncipe poderoso em miosina e, na maioria das vezes, com baixa quantidade e má distribuição de mielina, são vendidos como o ideal de beleza a ser seguido e conquistado.
Se bem que, na fase inicial da puberdade temos uma quantidade enorme de figuras afeminadas ou, pelo menos, adamadas sendo imputadas às nossas pré-adolescentes como se fossem belas.
Realmente, a maioria destes musos são, fisicamente, mais parecidos com musas; talvez por que a sexualidade feminina a esta época ainda não esteja totalmente definida e a noção do belo ainda está ligada à recém saída infância com seus castelos, príncipes etc... Todos com certo aspecto de feminilidade que, muitas vezes, surpreendem.
Passada esta fase onde os ídolos de Maria do Carmo eram alguns grupelhos nacionais e estrangeiros que faziam algo que, ligeiramente, se assemelhava à música, ela começou a se interessar pelos estereótipos comuns à primeira fase da juventude, onde a noção de macho perfeito para a procriação se resume no aspecto físico já que, emotivamente, ainda não se firmou o discernimento necessário para se fazer uma escolha de melhor qualidade.
Sob essa visão, como posso dizer, trogloditiana da realidade, Carminha encontrou em Gilberto o par perfeito.
O tempo passando e ao ver que não poderia ter feito escolha melhor para os olhos e pior para o cérebro do que aquela, Carminha foi se irritando cada vez mais até que começou a ter crises “de nervo”; ou seja conversões histéricas, o velho furor uterino dos antigos psiquiatras.
Até que, sexualmente, Gilberto não era dos piores embora não sabia o que e muito menos para que servia o clitóris, coisa que, apesar de ter tentado algumas vezes indicar caminho e serventia, deixava Carminha cada vez mais insatisfeita e irritadiça.
Recomeçara a estudar e isso, aliado à eterna insatisfação sexual deram cada vez mais independência emocional e intelectual à bela senhorinha.
Para piorar a situação, o único filho do casal era a cópia fiel do pai, em todos os aspectos; um era difícil, agora dois era castigo e dos piores.
Algumas mulheres com a gravidez se tornam muito mais belas que antes, desabrocham completamente; e esse era o caso de Carminha que, a cada dia, se tornara mais bonita e mais ‘apetitosa”.
Dona de belos e volumosos seios com dois luzeiros amendoados que brilhavam à distância e com formas perfeitas, a cada dia Carminha se tornava mais desejada. O declínio físico do marido era evidente e, apesar da diferença mínima de idade, três ou quatro anos, esta diferença parecia muito maior, fruto das noites passadas entre jogatina e prostitutas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, para desespero e ira de Maria do Carmo.
Com a morte do pai de Gilberto a propriedade e os bens da família vieram todos para ele, filho único, e para sua amada consorte que, com ou sem sorte se tornava cada vez mais agressiva.
Por acomodação, como pensava Gilberto, ou por acomodação em outros braços, o que traduzia a realidade, Carminha, da noite para o dia, começou a ficar mais tranqüila e serena.
As crises passaram a se tornar raras e, depois de certo tempo inexistentes.
A causa da cura da bela moça estava há menos de um quilometro do sitio e tinha um nome, Reginaldo.
Advogado cível recém formado e vindo de Belo Horizonte começou a dar assistência advocatícia a Gilberto a respeito de umas disputas territoriais com seu vizinho de cerca, Zé Traíra, conhecido pelas encrencas que criava e pelas qualidades que justificaram seu apelido.
Reginaldo, um jovem louro nem tão bonito quanto Gilberto nem os cantores dos tempos de pré-adolescente, muito pelo contrário, tinha as características que a jovem senhora passara a buscar em um homem.
A mansidão na fala e o sorriso meio carente conquistaram a moça mas, o que definitivamente desarmou-a foi o fato de que, apesar do jeito manso e carente, o rapaz demonstrava-se protetor e muito carinhoso.
Ah! E sabia a serventia do clitóris.


-Bom dia, meu amor!
O sol acabara de trazer vida a casa e, com ele, um sorridente Gilberto tinha acordado e tentava acordar a esposa.
Coitada, as aulas da faculdade iam até tarde e depois havia as reuniões com os tais de grupo de estudos.
Como era época de provas Carminha estava chegando muito tarde, ontem então, passava das duas da madrugada, pensou Gilberto.
Aliás como o estudo estava fazendo bem! Tinha parado de tomar o antidepressivo e dormia calmamente agora. Crise? Nem pensar!
Carminha, entretanto, entre cansada e satisfeita ainda tentava dormir um pouco, se virou de lado e demonstrando ares de cansaço pediu ao marido para que este a deixasse descansar mais.
Embalde!
Gilberto acordara com a corda toda e queria levar Carminha até a cidade para fazerem as compras semanais.
Como ela não tinha mais tempo, era ele que passara a organizar as compras e sabia que o açúcar e o arroz estavam no final.
-Acorda meu amor!
-Ah Gilberto, me deixe descansar um pouco mais, por favor; ontem a gente ficou até tarde estudando para a prova.
-Depois que a gente voltar você dorme de novo, amorzinho...
Esse “amorzinho” era extremamente irritante, fazia-a lembrar das velhas desculpas que o marido tentava arrumar quando chegava de madrugada das casas de prostituição e dos cassinos clandestinos.
Até hoje quando isso não faria a menor importância, a simples referência ao “amorzinho” causava em Carminha certo mal estar.
Mas,fingindo que não incomodava-se com isso e vencida pela insistência do chato do marido, resolveu levantar mas somente depois de um belo “Vá à merda!” soltado com uma exemplar indignação.

Ir às compras era certa força de expressão, já que o que motivava Gilberto na realidade era uma vontade de agradar à esposa passeando até a cidade coisa que, no começo do relacionamento agradava-a, já que a vida de confinamento na roça parecia-lhe extremamente dolorosa.

Pela enésima vez iriam ao mesmo mercadinho que pertencia a um tio de Gilberto, comprar as mesmas coisas, o velho chocolate que Carminha, nos últimos tempos não exigia tanto; o mesmo açúcar, o sal, o arroz e só; já que o resto era produzido no próprio sitio.


- Tudo bem dona Carminha? E o senhor, “seu” Gilberto, como vai?
Encontrar Reginaldo logo cedo não fazia parte dos planos de Carminha e, como fora pega de surpresa, sem maquiagem e dormira pouco, tentou se esconder, em vão.
Empolgado com o que estava acontecendo e com a oportunidade de colocar aspas no famoso Touro, agora literalmente, Reginaldo estava a todo vapor.
Mas Carminha tinha aquele mau humor matinal comum às mulheres mais irritadiças que muitas vezes vem acompanhado da maldita enxaqueca. Como estava abusando do vinho tinto nos últimos tempos, as crises matinais se sucediam e aquele dia prometia mais uma delas.
Às expensas disto, Carminha não respondeu com a esperada gentileza ao cumprimento do amante.
Este, na certeza de que isso não passava de um subterfúgio para afastar as suspeitas do marido traído não se deu por isso e seguiu o seu caminho, sorridente e cantarolando...

Obviamente Gilberto admoestou a esposa, já que os seus negócios estavam sendo administrados pelo gentil advogado.
- Meu amorzinho- de novo! – você tem que ser mais bem educada, quê que o doutor vai pensar?
- Que se dane você e o doutor! Respondeu a mal humorada Carminha.

Com aquela intimidade que somente a cidade pequena e o parentesco proporcionam, o dono do mercado neste momento resolveu interferir no assunto.

- Por falar em doutor, esse aí tá me saindo melhor do que a encomenda!
- Quê que você está dizendo tio Julio?
- Pois é, não é que esse doutorzinho mal chegou e está de caso com uma mulher casada?

Carminha gelou tudo o que tinha direito e mais ainda. Ficou pálida e começou a querer desmaiar tendo que se apoiar no balcão.
Ao perceber a palidez da mulher enxaquecosa, Gilberto associou o mal estar à noite cansativa e o excesso de atividade da querida esposa e logo acorreu, buscando uma cadeira para que a mesma sentasse.
Depois disso, o tio Julio continuou a falar.
- Como eu estava dizendo, estou sabendo que esse camarada está de caso com uma das mais conceituadas mulheres da cidade.

A curiosidade é uma das maiores características do ser humano. Normalmente os machistas atribuem a ela um aspecto feminino mas isso é puro preconceito, ela é generalizada.

Há esse meio tempo Maria do Carmo aflitíssima olhava de rabo de olho para o tio Julio que sem pestanejar respondeu:

-Pelo que eu sei é carm..

Engraçado como em menos de um segundo algumas coisas podem parecer de uma eternidade ímpar, e este era o caso...

Maria do Carmo estava quase desmaiando, certa de que o Touro iria demonstrar ali mesmo o motivo da fama de estouvado e violento que carregara desde a juventude quando ouviu o final da frase;
-...em, filha da dona Maria , aquela que é casada com o Luis Caixeiro...

De repente, de pálida que estava Carminha ficou vermelha, mas quase roxa com um sentimento de ira absurda e de alívio incontrolável.


A partir daquele dia, as crises recomeçaram e Gilberto começou a desacreditar das orações e benzeções que dona Zulmira, mãe de Reginaldo tinha feito para a cura de Carminha...

Amor Divino

Eu quero que tu saibas que eu resisto
Por mais que nossos rumos dispersamos
Por mais que tantas vezes nós erramos,
Desse nosso caminho eu não desisto!

Em meio a tempestades e desordens
Nas lutas que travamos, claros céus,
Outras vezes nos cobrem negros véus,
Ilusões: obedeço suas ordens.

Ao ver essas fantásticas estrelas
Que sempre irão trazer inspiração
Eu abro totalmente o coração
Às flores deste espaço, sempre belas!

Amor, tenha certeza, e monopólio
É como ter o mar sem ter areia,
Fria chama jamais nos incendeia.
É como misturar água com óleo.

Evite, nessa vida, tal abismo,
Entenda que jamais ninguém amou
Se dele e só por ele sustentou
Um sonho mais terrível: egoísmo.

Quando Deus nos criou, como modelo,
Poderia ter sido tanta estrela,
Ou outra forma astral também tão bela;
Porém à Sua imagem; posso Vê-lo

Em cada ser humano. Na verdade
Nos deu Seu sacrifício em fera cruz,
Só para nos mostrar – caminho e luz...
E, na ressurreição, a claridade!

A vida se demonstra e traz seus motes,
Aprenda a conviver com teus irmãos,
São deles e por eles tuas mãos!
Também neles estão teus sacerdotes!

Nos teus caminhos prendem-se teus mastros.
Saiba que a cada passo que for dado,
Mesmo devagar, lento, compassado,
Caminhas com milhões de belos astros...



Disponha deste céu é casa tua,
O sonho que te leva, bom porteiro,
Permite que conheças mundo inteiro,
Olhando para cima em tua rua.

A beleza que muda noite e dia,
Penetra por teus olhos tristes baços,
Mostrando-te que acima, nos espaços,
Há todo esse universo, em harmonia!

Os milagres se mostram em tua boca
Na palavra que transmite a doutrina
Também pode ferir, dura e ferina.
Outras vezes se perde, fria e rouca...

A mesma mão que cura, maltrata,
O mundo tão enorme, como um todo,
Também pode trazer-te ao podre lodo.
O chão que traz o pântano, traz prata.

Nunca fique assentada na cadeira
Que pode parecer assim, segura,
Mas que te levará à noite escura
A vida aqui te quer e por inteira!

Não mostres teu olhar assim altivo,
Olhando quase a esmo, p’ra ninguém.
Saiba que é no outro onde está teu bem.
Mantenha nos teus olhos, lume vivo!

Teu olhos são reflexos do céu
Aqui, que sejam veros missionários.
Mas sabendo que somos todos vários
Em cada um recobre um próprio véu.

Cada ser tem a própria consciência
Que pode ser até, à tua, alheia.
Mas a chama é igual, sempre incendeia.
Perceba em cada ser a sua essência!

Se todo julgamento nos desgasta
E em todo esse universo só irmãos,
Evite transformar as tuas mãos
Naquelas que, julgando, nos desbasta.

Caminhe para a frente, amor nos leva
Aos braços do Senhor. Amor estende
O tapete para onde alma se pende
E nos livra da triste e negra treva.

Permita que deslinde-se o futuro,
Semeie sem temer, a boa nova.
Somente em vida, a vida se renova.
A luz pode nascer do céu escuro.

E saiba que viver é para os bravos,
Deles, toda semente dá seus frutos.
Carinhosos, por mais que penses brutos,
Sabem que amor liberta. Sem escravos!

Somente amor aquece em noite fria.
Amar é conviver, é comunhão.
É se permitir sempre dar perdão,
É fazer dessa noite um claro dia..

Mesmo que todas dores, tristes molhos,
Invadam tua vida, duras chamas,
Te tracem dolorosas, negras tramas,
E ceguem não te deixem nem ter olhos,

Assim como as tristezas, podres laços,
As marcas dolorosas de uma guerra;
Várias pedras caindo de uma serra,
Os raios, trovões, riscando espaços,

As febres devorando corações,
A vida em carne viva, sofrimento.
As quimeras trazendo dor, tormento,
Os problemas todos, multidões,

Erupções de vulcões, incandescentes,
Que a tudo não perdoa e incendeia
O sangue congelando em tua veia,
Os sonhos, pesadelos envolventes...

As mortalhas doídas, canibais,
Os cortes tão profundos, dissecantes,
As noites do martírio, delirantes,
Os medos e as maldades tão fatais,

Saiba que dos céus sempre boas novas,
Os olhos que te miram, verdadeiros
Trarão em teu viver belos luzeiros
E todas as angústias, meras provas.

Não temas nem os braços algemados
Nas coisas que te trazem a saudade.
Lute e conseguirás a liberdade.
Na verdade são anjos disfarçados

Que trazem toda a prova que precisas
Para que tua vida não se faça
Em base que, no fundo, sempre passa.
Se vão e se esfarelam em plena brisa...

A vida nos prepara, esteja certa,
O medo que polui nosso futuro.
Pois não temas transpor esse alto muro;
Saiba que depois tudo se conserta.

A mesma mão que fere te levanta.
Por isso sempre erguidas para o céu
Com o Senhor, mantenha teu anel.
Para que, com Deus tenha a vida santa.

Tu és um grão de areia no areal
Por isso não proclame aos quatro ventos
As dores nem tampouco os sofrimentos
Quem te ouve com certeza tem seu mal.

Mas nunca negue apoio ao que precisa.
Mesmo na tua dor, estar contente
É forma de mostrar a toda a gente
Que alegria nos salva e ameniza.

Se todo o teu tormento não te cura,
Saiba que nele existe a mão divina.
Pois todo sofrimento descortina
Aurora da esperança em pura alvura.

Tua vida não seja um mar deserto,
A tua alma sozinha se descora
Precisa renascer a cada aurora,
O fim de nossa estrada é sempre perto.

O vento da existência não vai longe.
A vida não vacila e nunca espera.
Seja então uma eterna primavera.
Nossa felicidade é nosso monge.

Carregue tua vida em santa paz.
Não deixe nem suporte tanta mágoa.
Teus olhos nunca deixe rasos d’água
Amar a quem te odeia! És capaz?

Conheça o coração, palmo a palmo;
Ame teus filhos, todos os teus filhos.
Mas deixe que prossigam nos seus trilhos.
Cada um te trará um sonho calmo.

Respeite em cada ser, o vegetal,
Os animais. Refletem mesmo Deus.
Não são teus, nem são nossos nem são meus,
Quem os criou; o Pai Nosso, imortal,

Os fez para viverem liberdade
E em cada um seu brilho radiante.
É prova desse amor tão deslumbrante
Onde Deus nos mostrou Sua bondade.

E com certeza, todos são amados
Tanto quanto nós somos pelo Pai
E Saiba que a verdade nunca trai.
Ao contrário, confirma nosso fados.

Amor é sobre tudo, o soberano.
É fonte que nos mostra toda glória.
É Deus que nos demonstra, na memória
O quanto que Ele amou o ser humano.

Pois saiba que somente amor acende
O lume que nos livra das tristezas,
É fonte de invencíveis fortalezas
Que o perfume divino já recende!

Amor e Diversisdade

Nessa diversidade a nossa maravilha.
Toda proximidade esboça certo espelho
Muitas vezes azul, outras, vermelho,
E nesta confusão, formamos nossa trilha...

Muito bom sonhar junto, os sonhos sendo vários.
Assim, nesta mistura, a vida faz sentido.
Mesmo no mesmo leito, o rumo é dividido.
Amor que já se anula é sempre temerário.

Importante é somar frações tão diferentes,
E, disso, transformar plenamente as vidas.
As dores são assim facilmente esquecidas.
Mas nunca devem ser vias incongruentes.

Há que haver liberdade e também respeitar
As diferenças. Disso é feito nosso amor,
Não sou espelho enfim. Porém por onde eu for
Eu te quero ao meu lado. O mesmo caminhar.

Cada qual com seu passo, e sempre solidários.
Para que não haja queda e, se houver, não nos lese.
Difícil carregar por isso nunca pese,
Difícil de sonhar os sonhos solitários.


Nesta soma que temos, felicidade.
Já que não invadimos espaços
Cada qual tendo a própria claridade
Estreitam-se sempre nossos laços,
Aprendemos viver com liberdade
E toda noite, juntos nos abraços
Que nos irmanam, fazem o futuro.
O chão, com nossa força, é menos duro...

As nossas diferenças sem segredo,
Enfrentam ilusões, desesperanças,
Esquecem, bem distante, nosso medo
Fortalecendo sempre as alianças
Que nunca deixarão que este degredo
Domine nossos dias e lembranças.
Nosso amor não transforma e modifica.
Na vida, esse somar nos edifica.

Eu não quero sugar todo o teu mel,
Apenas conviver com teu prazer.
Assim, como é difícil te esquecer,
No nosso sentimento um claro céu.

As nuvens que se chegam, logo espanto.
Vontade de fugir, bem cedo passa.
Não sou teu caçador nem sou a caça.
Nessa nossa harmonia, um belo canto...

Aliados diversos, mesma guerra...
Sem capitão, major ou general,
Na luta pela vida, tudo igual,
Planalto que não pede morro e serra.

Todo sonho em conjunto é mais possível
Também escuridão logo se aclara,
Sabemos o que somos, não se para
A caminhada, nada é impossível!

Mas se a dor se aproxima e nos maltrata,
Se a noite escureceu, a vida dói,
E nada nessa vida nos destrói
Tal firmeza do laço que nos ata!

Assim, com toda força e sem temor,
Vencendo tempestades sem degredo.
Nas nossas diferenças, o segredo,
A base que formou o nosso amor!

Redenção e Luz

Quando estava sozinho em plena dor;
A vida parecia sem sentido
Apenas um caminho já perdido
Por entre tempestades e pavor.

A liberdade, sonho tão distante,
Inalcançável! Tudo terminado,
O jardim sem as flores, destroçado.
Parecia morrer, agonizante.

Sem saber sequer por onde andavas
A minha esperança semimorta
A saudade batendo em minha porta
Em minha alma erupção, vertido em lavas.

A cada pesadelo um sofrimento
Que se torna maior; felicidade,
Quem me dera! Somente essa saudade...
A cada nova noite um só lamento!

Fui feliz, disso tenho uma certeza
Que me deixa pensar em esperança.
E voltar novamente a ser criança
Guardando, dessa vida, só beleza...

Mas o tempo passando me sussurra
Esquece! Pois jamais serás feliz...
Perdido, sem poder ter o que quis
A dor se rebelando, mais forte, urra.

E em toda essa agonia, a vida passa.
Não deixando sequer sobrar um cais,
E o tempo sempre fala: nunca mais.
A cada novo sonho, uma desgraça

A mais, eu vou seguindo em desespero.
Muitas vezes pensei ser o culpado
De tudo que passei. Fiz tudo errado,
Agora, a solidão, o tempo inteiro!

Nosso amor começou qual primavera
Em plena calmaria, mansa areia
Onde as ondas morriam... Quem me dera!
Mas a vida, entretanto me incendeia

E nas brasas queimando meu futuro,
Errei. Valorizei outro prazer.
Agora é tão difícil te esquecer,
Meu céu nebuloso, mais escuro...

A minha alma se arrasta em plena lama.
O vento da saudade tudo arrasa.
Procuro por teu rosto em toda a casa,
Só a quimera dorme em minha cama...

O frio desta noite um punhal, aço...
Que penetra e me cortando com certeza
Acaba destruindo a fortaleza
Invade sem ter pena, o meu espaço

E rouba esta esperança, plenamente.
A dor que me devora, imensa, tanta.
Qualquer pequeno mal já se agiganta
E passa a me matar, bem lentamente...

As garras afiadas do felino
Rasgando cada ruga do meu rosto,
Expondo esta mazela, o meu desgosto,
Aos poucos vão traçando o meu destino...

Minha vida, quimera desumana,
Perdida, sem sequer felicidade,
Fechada em tantas marcas, crueldade,
Em plena podridão, só dor emana.

Sentimentos confusos, turbilhões,
A cada novo dia, mais intensos,
Se tornam violentos, são imensos;
Aguardo, do destino, soluções!

Correntes que me prendem, sou escravo,
Cativo do passado tão cruel.
Mortalha de tristeza é o meu véu,
Nas águas mais medonhas já me lavo...

Porém desse fantasma que me ronda,
A morte, uma certeza nova traz.
De tudo o que mais quero, peço a paz
Que trouxe meu amor, numa praia, onda...

Da noite que me trouxe escuridão,
Ao longe, bem distante, um novo sol;
Onde talvez, quem sabe, meu farol.
Aos poucos aumentando esse clarão...

Os olhos tão divinos vão chegando
E posso distinguir um novo brilho.
Ao ver essa beleza, maravilho.
Cada vez mais os vejo aproximando...

Estranho, a tempestade dentro da alma
Cessando, lentamente vira brisa...
Um olhar tão sereno, já me alisa
Na mansidão da noite, tudo acalma...

Ar que me sufocava, agora manso.
Flutuo levemente, e nem percebo.
No carinho dos olhos, que recebo,
Incrível que pareça, leve, danço...

A terra se tornando tão pequena,
Os astros se aproximam, mais e mais...
Em todo esse universo, tanta paz.
A felicidade morta já me acena...

Os olhos acompanham, sorridentes,
O vôo que prossegue em calmaria.
Da noite que vivi, um pleno dia...
Os males se parecem quais dementes.

E cada vez menores, não os vejo...
O claro que se mostra, me domina
Em festa todo o brilho me alucina
Aos poucos realizo o meu desejo.

Sorrindo, se aproxima a boa sorte,
Sem máscaras, aberta, mostra o peito.
E dentro, um coração mais satisfeito,
Recebe, em alegria, a minha morte!

domingo, 26 de novembro de 2006

A única saída é o AMOR!

Que tua vida traga a mansidão
E também a loucura e o sofrimento
Que te faça ter paz e ter tormento
Elementos que formam a paixão.

Alegria em um dia, a dor, tristeza,
Pois sem elas jamais serás feliz.
Todo o contraste forma esse matiz
E na diversidade está beleza.

Somente em sofrimento cresceremos
Esta é uma verdade inquestionável
Pois toda a maravilha é ser mutável
Mas acima de tudo, nos amemos,

Quando ele se refaz se fortalece,
Não deixe que saudade te domine
Ela nunca terá luz que te ilumine
Se encontra na penumbra; estão, esquece.

Mas deixe a fantasia renascer
Nela está o teu sonho, companheiro,
Mas não se esqueça; amor só verdadeiro,
Senão em pouco tempo irás sofrer.

Aceite todo o brilho de quem amas,
Poderá clarear a tua estrada
Mas não fique na sombra, iluminada,
E saiba que produzes tuas chamas.

São tuas não apague-as jamais.
Pois amanhã terás teu próprio dia
A noite, sem teu lume, será fria.
E mostre que também tu és capaz.

Não deixe que esperança te atormente
E te impeça de ver a claridade,
Mas não a deixe morta. A liberdade
É feita em tentativas, sempre tente.

Porém nunca desistas deste amor
Que guia e que transforma nossa vida,
Lembre-se que de toda despedida
Nos traz um novo encontro, traz calor.

E tente ser deveras humorado
Mau humor contagia e fere fundo.
Por vezes se espalhando num segundo
Não deixa que ninguém fique ao teu lado.

Terrível solidão, tão importante.
Quando estamos sozinhos, nós crescemos,
Pensamos, torturamos, conhecemos
E talvez não erremos adiante.

Saiba que dessa treva faz-se a luz,
Deste tempo nublado, em tempestade
O mundo nos trará fecundidade.
Das lágrimas celestes se produz.

Não há nada nocivo totalmente
Nem nada que não seja tão benéfico
Com certeza, benéfico e maléfico,
Se encontram no veneno da serpente,

Até na doce abelha em favo, mel,
A morte pode estar a nossa espreita.
Nenhuma criatura nos foi feita
P’ra nos satisfazer. Deste pincel,

Aprenda que o conjunto nos revela
A beleza final de toda essa obra.
E se nunca cuidares, a vida cobra,
Não deixe que destruam esta tela,

És dela, personagem e como tal,
Também irás morrer se não cuidares,
Das águas, das florestas e dos ares.
De todo vegetal e do animal.

Ânima, animado, alma, como a tua.
Receba a doce brisa deste amor,
Incorruptível, mágico senhor,
Que traz toda a beleza da alma nua.

Também deixe que a música te invada,
Ela amenizará os teus tormentos,
Com ela uma certeza d’outros ventos,
Descansa nossa vida tão cansada!

A cada flor que nasce um novo tempo
De vida que refaz em própria vida
Da morte muitas vezes dolorida.
Este ciclo não deixa contratempo.

A tua própria morte é necessária
Senão como teremos nossos filhos?
O trem que descarrila dos seus trilhos
Deixa toda a viagem temerária.

É preciso seguir sempre, não canse;
Não deixe este desânimo vencer.
Embora preguiça é bom de ter,
Seja hoje ou amanhã, teu sonho alcance,

Mas, se não conseguires, não desista.
Depois, prorrogação, se Deus quiser!
E venha, sabe Deus, o que vier.
viver a cada dia e ser artista.

Todas as promessas são de paz.
Em todas as discórdias, o bom senso.
O mundo é tão pequeno e tão imenso,
Acaba num segundo e nunca mais!

Por isso, companheira, por favor,
De tudo que eu já disse nos meus versos,
De tudo que houver nos universos,
O que nos salvará? Somente amor!
É coisa já esquecida, de tão sabida, que uma árvore, uma pedra, uma nascente, podem ser o paraíso de nossa vida. Ramón de Campoamor



Procuras paraíso em coisas tão incríveis
Rara preciosidade, amor que nunca chega,
Na louca liberdade e no barco que navega
Um mar em tempestade, os ventos invencíveis!

Procuras a beleza em sonhos invisíveis,
Na fortuna e prazer. A dor, tonta, trafega
Na luz que tanto brilha e quase sempre cega.
Nos sonhos de vingança, as noites mais terríveis...

Procuras ser feliz nas roupas e nas jóias.
O mundo que maltrata esquece-se das bóias,
A Terra que jamais sonhaste repartida

Traz-nos o paraíso em simples e banais
Aspectos: na atitude, em formas naturais,
Na fonte, na nascente, o paraíso em vida!
Nesta escuridão plena, um resto perambula...
Meu caminho está cego e nunca encontro luz,
Espelho de minha alma em trevas se reluz,
Quem dera se soubesse a cura. Cadê bula?

Me resta esta penumbra, minha alma deambula
Por mares de tristeza. Efeito que produz
O canto da saudade... enorme, minha cruz,
Afortunadamente, espero que me engula

E não deixe nem sequer os ossos pro banquete
Da saudade chacal. Peito é uma maquete
Do mausoléu que espera a minha alma caquética!

Invoco a tempestade, um lamento terrível
Ecoa em pleno vento, o som dorido, incrível,
De minha decomposta alma fria, anorética!

"Aprende, como uma das tuas primeiras obrigações, a dominar-te a ti mesmo."

Tantas vezes na vida, impera o meu desejo!
Esqueço-me de tudo e penso ser normal
A fúria com que trato, às vezes imoral,
Sem ter menor domínio, os erros não revejo.

Eu sinto que magôo e, percebo, não vejo
As marcas que provoco, a dor de tanto mal...
Agindo assim, bem sei, pareço um animal
Que, mesmo sem pensar, a quem amar alvejo.

São erros que cometo, embalde os reconheça,
Que fazem com que saiba, amor eu não mereça.
A noite vou vagando, a minha vida a esmo.

Preciso, mesmo tarde, aprender as lições
Que a vida sempre traz, minhas obrigações:
Eu preciso saber dominar a mim mesmo!

"Amar é deixar de comparar."

Bernard Grasset

Esqueça teu passado, imploro-te querida...
Bem sei que foste brilho em meio a noite escura,
Bem sei que já tiveste o beijo da ternura,
Porém se estás sozinha, a dor da despedida,

A morte de quem foi razão de tua vida
Não pode ser assim uma eterna amargura.
Eu sei, sou imperfeito. Espero ser a cura
Poder cicatrizar essa enorme ferida.

Quando falas de amor nos nossos, bons, momentos;
Recebo desta noite os mansos, doces, ventos...
Eu sou o teu futuro, e nele vou morar.

Eu quero teu amor, esteja disso certa,
Eu quero em nossa casa a porta sempre aberta...
Se queres ser feliz, deixe de comparar...

sábado, 25 de novembro de 2006

ÚRSULA

ÚRSULA: pequena ursa.


Refeito deste susto que passei
Em busca dum amor mais que perfeito
Em mansa claridade já me deito
E quero me esquecer que nunca sei

Se queres ou não queres minha lei
Se sabes ou não sabes do meu leito.
Da boca que me morde o meu confeito?
Jamais serei aquilo que sonhei!

Eu quero a mansidão sem ter espora
A parte que me cabe não demora
Sei que serei feliz ao lado teu.

Mas posso te dizer deste meu verso
Que rasga sem temer teu universo
E acende a luz em Úrsula, sem breu...

Felicidade

Quem, nesta vida, sempre imerso em pleno lodo
Espera pelo mar em noite maviosa,
Aguarda na esperança o perfume da rosa
Não sabe que será simples parte do todo

Que formando um conjunto esparso em todo espaço
Faz parte como tudo em volta, natureza.
Não sabe conhecer sequer uma beleza
E perde todo o tempo em vôo cego e baço.

E tudo que aprendeu esquece totalmente
Não sabe que esta vida esboça a forma santa
Da natura tão febril, dessa alegria tanta
De ser uma fração de tudo, simplesmente...

Pois neste vasto mundo a força mais robusta
Não sabe seu caminho, espera seu destino
Na lua que nasceu a vida de um menino
Não sabe se será ou não será augusta.

Não há sequer quem viva em total claridade
Assim caminha a vida em luta desumana,
A luz que nunca brilha em pouco tempo emana
Aquele que não sabe e perde essa verdade

E acha que desse mundo é parte mais imensa
Um dia saberá imerso em turbilhões
Que fora mera parte, uma gota em bilhões
Felicidade então será t’a recompensa.

Pois todo esse universo em margem infinita
Circula num caminho estranho e sem final
No rumo que não traço imenso e sideral
Apenas uma coisa em todas é bendita

E sempre se trará no rosto mais feliz,
O gosto da conquista, o louro da vitória
Por mais que maiorais não trazem toda glória.
Na opressão de minha alma, o medo me desdiz.

Quem dera se tivesse o rumo que esperei
Por mares sem sentido em busca da verdade
Nas luas que vasculho a mera claridade
Não trazem o que quero, e não serão a lei.

Com meu olhar mais fixo espreito meu futuro
A porta que se fecha, abertos meus umbrais,
Deixa-me nessa espera, aguardo e quero mais
Da vida que não tramo o chão que piso, duro...

A mão do meu destino espera sem demora,
A prece que não fiz, o manto que me cobre
Na noite que não traz o sino que se dobre,
E tudo que não pude o sonho rememora.

Se fiz minha cantiga aguardando alvorada
Que jamais terá sido aquela que esperava,
Talvez sem ter carinho a noite me tragava
E depois me deixava exposto sem ter nada.

Marcadas pelo açoite em busca desta serra
Que pode me levar aos campos que desejo,
A parte que me cabe, em lágrimas, não vejo
Esconde-se ferina e matando desterra...

Por mais que sempre tento esbarro sem resposta
Na dor que não se cala, o gozo e a saudade.
Não sei mais ir liberto, em tal disparidade
Que faz do meu futuro uma simples aposta.

No sonho que propus um pouco de esperança
Espera sem demora o fim desta tristeza
A mágoa e a mentira, o laço da riqueza
Que trava e não perdoa e nem a vida alcança;

Busquei felicidade, essa libertação,
Nas mesas do banquete em festas e navios,
Saveiros, mansos cais, orgias loucos cios,
No rosto da promessa em toda vastidão.

Nas jóias, no castelo, em tudo com fervor,
Por mais que procurasse um sonho tão risonho,
A cada dia via um olhar mais tristonho
Em cada novo rosto expressão de pavor...

Nesta alegria falsa, o riso sem motivo,
Na festa que termina e nunca determina
Nos céus que imaginei, em nada se destina
A tal felicidade, o meu sonho mais vivo.

Depois de, já cansado, esperar pela resposta
Por mundos viajar fiquei decepcionado
E resolvi dormir, exposto ao duro fado.
Nunca serei feliz! Eu perdi minha aposta...

Porém, na noite calma, um suave calor,
Em sonhos, de repente ouço uma mansa voz
Que fala bem baixinho: o mundo é bem atroz
Mas a felicidade? É simples, está no amor!

Amor em desespero

Procurei meu amor da mocidade
Esquecida e perdida nos alvores
Neste inverno fatal, nos estertores
Finais, quando me resta só saudade...

Agora em meu jardim, as flores mortas,
Somente erva daninha sobrevive.
São restos que carrego d’onde estive
Penetram minha casa, abrem as portas,

Tomando minha sala, entram no quarto,
Deitam-se nessa cama e já me abraçam.
Envolvem meu pescoço se entrelaçam
E tentam sufocar. Da vida farto

Espero o desenlace deste abraço,
Aos poucos apertando mais e mais
Até que sofrimento e dor, jamais!
Ao fim deste namoro nem um traço

Do que fui restará mais neste mundo.
Coberto pelas folhas, sufocado,
Nesta agonia tudo terminado
Trazendo a liberdade, num segundo...

De tais folhas e galhos, sinto o gosto
Agridoce da vida que se vai...
Em momento algum nada me distrai
Nem mesmo a cicatriz mascara o rosto.

Recordo-me que um dia fui feliz,
Eu tinha todo amor que se deseja.
Meus irmãos, minha mãe, a vida beija
De forma tão sutil... Tudo o que quis

Se perdendo nas curvas do caminho,
A cada dia, aos poucos, foi morrendo
A esperança que tinha. Corroendo
A minha sorte, até ficar sozinho...

Não tenho sequer medo, a dor levou...
De tudo que guardei apenas vento
Da saudade me traz contentamento.
A solidão foi tudo o que restou.

Agora em meu jardim esta quimera
Crescendo pouco a pouco e me matando
Nos galhos e nas folhas me mostrando
Tal qual fosse o sorriso duma fera.

Da venenosa amiga e seus tentáculos
O carinho final que tanto espero.
Em momento algum, nunca desespero,
Talvez sejam meus últimos obstáculos.

A sombra da mortalha que virá,
Nas costas minhas asas já não pesam,
Sem ar, as minhas pernas se retesam
E sinto que minha hora chegará

Nos braços desta amada e doce planta
Que sabe que me cura quando mata
No derradeiro beijo em serenata
O frio dentro d’alma se agiganta

E sigo meu caminho, agora em paz...
Porém quando te vejo do meu lado,
O abraço como fora um apertado
Nó pressinto que amar não fui capaz!...

Tamires

: Paz

Não quero transformar a nossa casa
Num terreno propício para a guerra,
Amor sem ser feliz logo desterra
Ao ver nosso castelo ardendo em brasa.

Se tudo que vivemos nos abrasa
Total devastação na nossa terra
Meu barco, solto ao mar, à deriva, erra.
Sou pássaro perdido sem ter asa.

Em verdadeiro campo de batalha
Não posso mais conter, a dor se espalha;
E nada do que fomos vida traz...

Espero que te lembres de Tamires,
Em seu exemplo belo tu te mires
E em nosso mundo voltará a paz...

Priscila

: Aquela que pertence ao passado, antiga


Nas espirais do tempo amores esquecidos...
A vida prega peça em quem não tem memória.
Viver um grande amor é se render à glória.
A vida é festival dos amores vividos...

Lembro-me, adolescente, em tempos ermos, idos.
No começo do sonho em que resume história
D’homem envelhecido, essa dor peremptória
Da saudade cruel de amores vãos, perdidos...

Morava na cidade, a mais doce menina
Que tinha, com certeza, a boca mais divina
Entre todas. Rainha, a mais bela da vila...

Em plena juventude, instintos incontáveis.
O beijo não sacia, as noites memoráveis.
No centro do meu mundo, em tudo, só Priscila...

Paula

: Baixa estatura, pequena.


Andava semi-nua a deusa maviosa,
Por onde ela passava um rastro de beleza.
Estrela salpicava o andar desta princesa.
O rastro que deixava olor de bela rosa...

Eu, pobre aventureiro, em vida mansa e prosa,
Ao ver a tal princesa, a dama de nobreza
Rara em desfile tal, passei a ter certeza,
A vida, ato divino explode venturosa...

Bem sei que não consigo imaginar a cena,
Quando Deus luminoso esculpiu a pequena
Obra prima que passa enfeitiçando a rua.

Só posso agradecer por estar vivo então,
Aplaudindo de pé, um pobre coração,
Por Paula enlouquecido, a deusa semi-nua!

Patrícia

: Aquela que pertence à Pátria


Quando me deixar lembre; a porta fica aberta.
Não é por mal, entenda a porta não se fecha.
Alguém pode esquecer o medo ou a mecha,
Ou quem sabe um novelo inteiro, esteja certa.

Acontece que amor é sentimento instável,
Da mesma porta que entra, a mesma quando sai.
A casa não tem base, um dia a casa cai,
E eu bem quero ficar, preciso ser amável.

Amor dolente vai, amor dolente vem,
A cama que ficar é noite do meu bem...
Pr’a dizer a verdade, amor: uma delícia.

Mesmo quando o fim surge, amor segue o caminho...
Prefiro ficar só do que ficar sozinho.
Amanhã amor abre a porta com Patrícia...
Onde estás meu amor? E por que foste embora?
Minha janela aberta aguarda essa presença
Pois tudo está tão triste...Espero recompensa
Da prenda que não veio. A solidão demora...

Meu canto rasga o céu numa esperança em prece.
O mau jardim distante, esquece-se da flor,
A cada novo sonho, um mínimo rumor,
Meu peito enamorado aos poucos desfalece.

Percebe que não vens... E não virás jamais.
Em torno dessa lua o grito doloroso,
A minha alma chorosa, um espectro andrajoso,
Procura por parada, a vida nega o cais...

Tantas vezes sozinho. Em busca da verdade,
A dor dessa saudade espreita na tocaia...
O meu mar tão distante, a fina areia a praia...
Só me resta essa cruz, a dor da soledade...

Um dia fui feliz, um breve dia assim.
O beijo amaciado, a mansidão da noite...
O vento que soprava espera teu pernoite
Trazendo, no horizonte, amor que não tem fim...

Mas nunca regressaste espero-te cansado...
A solução da vida, a paz tão almejada.
O tempo vai passando, e não me sobra nada.
Meu leito de viúvo, a cama, o triste fado...

Nas cinzas do cigarro, imagem espectral,
Um resto de conhaque o pensamento voa..
Uma alma dolorida embalde inda ressoa,
A noite vai passando ... Inferno sideral.

O meu canto tristonho, amargura da vida.
O meu peito vazio, a noite sem ninguém.
Tortura o vento frio, aguardo pelo bem
Que sei que não virá, a noite está perdida.

Sou preso em dissabor, do amor que nunca tive
Quimera que me mata, a noite sem desejo.
O manto que me cobre, o sonho que versejo.
O templo que carrego, a saudade revive...

A marca mais profunda, imensa cicatriz,
Em brasa tatuada, espessa e dolorida,
Um bem que nunca veio, uma gota de vida
Num oceano, imersa, e como ser feliz?

Pámela

: Doçura, muito doce


Abelha forja o mel do pólen delicado
Que rouba desta flor em súbito revôo,
Beleza deste fato, encantos tais ecôo
Abelha qual Cupido, o pólen, o recado

Que a flor manda p’ra flor, um canto apaixonado!
A dor do meu amor por certo te perdôo,
Flor, colibri, abelha... Amor que eu abençôo!
Do perfume da flor, o mel adocicado...

Pois Deus ao te encontrar, a filha mais amada.
Por certo descobriu o brilho da alvorada,
E mais do que depressa, o Deus se emocionou.

Da abelha e do seu mel, do pólen dessa flor.
Do perfume à doçura,da doçura, ao amor...
E Pamela, em doçura, esse Deus transformou...
Num sonho espectral tive intensa sensação
Da morte em eminente aspecto mais cruel.
Nem bem adormecido, em plena convulsão,
Senti a mão macia e um negro e triste véu
Qual fosse ave agourenta em sobrevôo manso.
Pensei que fosse embora, o sentido, não alcanço...

Perfume adocicado em plena fantasia.
Um olhar sorridente estende seu carinho.
A noite que era quente, em um segundo; fria.
Cruel ave agourenta, espero, volta ao ninho...
Mas nada, estava ali, sorridente e mordaz.
Há muito tempo vivo esquecido da paz.

Nada falava, quieta. A noite se passava
Naquele ritual, macabro ritual...
A morte que eu sonhara eu nunca imaginava
Que fosse assim, tortura... Achara tão banal
Que explicações sem nexo eu procurava dar.
Delírio, fantasia... Ao sabor do luar..

Pois bem sabes a lua em momentos assim
Muitas vezes traz culpa em situações vãs.
Lunático, isso mesmo, essa ave vive em mim!
Acordando comigo em todas as manhãs,
Me acompanhando sempre, existe no meu ego
É manto que me cobre e sombra que carrego.

Dormirei mais tranqüilo e depois isso passa.
Qual nada! Inda está lá, sorridente e sutil.
Por um momento ou outro eu sinto que me abraça.
Meu peito ardendo em brasa, a noite não se abriu
E deixou essa quimera em forma de mortalha.
Não me deixará nunca. A noite vem, não falha...

Se cada vez que tento, embalde, descansar
A sombra não deixar de vir, o que farei?
Onde eu acharei força e paz para tentar
Viver? A cada dia enlouqueço...Cansei,
Mas no dia seguinte, a vida continua.
O trabalho não pára e não posso fugir.
Ao voltar para a casa eu não posso dormir.

Já tentei sair, dormir num outro quarto,
Dormir em outra casa, inútil, não me deixa...
Marcada cicatriz, dela não mais me aparto.
Pontual é dormir ela vem, não desleixa.
Namoro, casamento...Esqueci, estou só.
E rezo, toda noite, em prece peço dó

Mas nada me responde, a quimera não larga!
Eu peço minha morte, assim talvez, quem sabe...
Esta rapineira ave estúpida e vil praga
Se vá para não mais e tudo isso acabe...
Te peço Meu Senhor, desesperadamente!
Escute meu pedido, o lamento de um demente!

Há quase um mês não durmo, e sempre esse fantasma;
O sorriso calado, a mão fria, o vazio...
É sombra, espectro, Fado, ou será simples plasma,
Um pesadelo, cisma? O fato é que é sombrio.
Cansado, estou cansado... Eu não suporto mais...
Milagres? Já não creio. Eu só imploro Paz!

Decerto que acostumo, eu quase já não ligo.
A sombra me domina em todos os momentos...
Nem ansiada cura, embalde, não persigo.
A cada dia sinto o fim dos meus tormentos.
Essa presença fria, um câncer terminal,
É minha companhia, o meu amor fatal!

Paloma

: Pomba


O céu em claridade absurdamente bela,
Aos rasgos desta lua encontra sua amada.
Pressente que depois da longa e calma estrada,
Não há sequer um porto, e a lua se revela.

Esse astro enciumado, o céu amado dela,
Esconde-se na treva, a face descorada;
Quem nunca vira a lua assim apaixonada,
Espanta-se com isso: a noite perde a tela...

Irada, a branca lua, abrasa-se ligeira,
De súbito, essa noite, acende uma fogueira.
A luz, incrível lua, ao universo soma

Um rastro qual solar em plena madrugada.
Estrelas vão correndo, em total debandada,
A causa do ciúme: os olhos de Paloma!
: Cheirosa, perfumada


Companheiro da fera inebriante:amor;
Por vezes me esqueci que as mágicas mulheres
Guardam cada segredo em diversos talheres
Nas gavetas do sonho, em cálices de dor.

Muitas vezes estranho o mistério da flor
Carnívora. Também fazes o que quiseres
Nas tocaias. Inseto, a presa, se não queres
Depois de mastigada expulsas com vigor.

Porém a perfumada e olorosa rosa,
Absoluta malícia esperando ansiosa
Que um colibri se chegue e carregue seu beijo

Para outra rosa, assim num cio delicado
O pobre beija flor foi, sem perceber, fado.
Olinda; serei flor, colibri ou desejo?
As asas da saudade abertas em meu peito
Invadem cada canto e não me dão sossego.
Voltando de onde vim acham-se no direito
De dominarem tudo, então eu peço arrego.

É duro compreender o que querem as asas
Nem elas sabem, o que posso te dizer
É que me queimam, isso eu sinto nessas brasas
Que sabem misturar a dor com meu prazer.

Me lembro delas um dia onde a tristeza
Se mostrava rainha em mansa sutileza,
Saudade de quem fui, principalmente disso.
Da minha mocidade esquecida faz tempo!
Agora em meu outono o brilho perde viço
A opacidade surge e cada contratempo!

Na seda dessa pele, a morena me acende.
As asas da saudade abertas novamente,
A mão da lucidez vem e de novo estende
O meu manto outonal, ela nunca me mente!


Ainda bem que existe alguma lucidez,
Senão, ‘stava perdido, a dor então, medonha!
Tudo tem a sua hora e tudo a sua vez...
Mas o meu coração, desgraçado, inda sonha!

Olívia

: Azeitona, oliveira


A chuva cai... Recebo o teu carinho triste
De quem amou demais e não teve perdão.
De quem sabia que, depois, a solidão
Se instala e toma cada espaço que inda existe.

Eu estou aqui. Sei que nada disso importa
Para quem sofreu e não sabe disfarçar.
Eu posso prometer a terra e o luar,
Tua alegria está atrás daquela porta.

Eu bem que tento embora eu saiba não consiga
Trazer uma esperança. Espero que prossiga
Sem esse sofrimento inútil que domina.

O meu verso calado, o peito está cansado
De saber que não tens o amor tão esperado.
Minha esperança, Olívia, a cor esmeraldina...

Olga

: Santa, sagrada



Esqueceste-me. Bem sei que não fui fiel;
Tantas vezes errei e te peço perdão
Por não ter conseguido encontrar solução
Para meus erros, fui muitas vezes cruel

Do doce prometido eu te guardei o fel
E por isso nosso amor foi tão vazio, vão.
Agora imerso em treva aguardo a solidão
Que virá fatalmente, inferno e vida ao léu...

De tudo que sei resta um gosto meio amargo
Assim como se esperança esvaísse. Me embargo
E quase não consigo expressar minha dor.

Me trazias um brilho em forma de alegria,
Mas tolamente fiz com que morresse fria
A noite que trouxe Olga, o símbolo do amor.

Ofélia

: Serpente, cobra



Nos meus sonhos, desejo e tempestades vagam
Prazeres e ternura em murmurante voz,
Delícias e tortura uma mistura atroz,
As garras desta fera arriscam-se e me afagam.

Na chama sideral estrelas vãs se apagam,
Deixando um rastro triste enorme e tão veloz
De estrelas mortas que todas as penas pagam,
Dura desesperança e nada vem após...

Nos meus sonhos a serpe imersa em vil peçonha
Prepara o bote, deixa a vida de quem sonha
Em infernal espreita. A morte é tão escura...

Gosto abjeto da morte explode na garganta
Da vítima fatal. A serpente me encanta
E somente em teu beijo, Ofélia, terei cura...

Odila

Cansado de cantar minhas tristes mazelas,
Preparo uma canção que seja cristalina,
Dedicada à mulher. Num olhar me fascina,
Desejoso e voraz, com o brilho das velas

Acesas qual a brasa. A vida, em torno delas,
Apresenta-se sempre imersa em paz divina
E tão profundamente amável que domina.
Um olhar feminino emoldurando telas...

A mulher em desejo, um cio bravo, indócil,
Transforma a solidão num simples, mero, fóssil.
É flor que, delicada, amargura destila,

É languidez audaz, caçadora voraz.
Sua voracidade um agridoce traz.
Sou vítima fatal de t’as garras, Odila!

Núbia

: Ouro, terra do ouro

Não falo da tristeza. Ela sempre virá,
Quer queira ou nunca queira, a vida continua...
Em busco de carinho, o meu destino: rua!
Muitas vezes sozinho, aqui ou acolá.

Procuro meu socorro. Em vão! Não chegará...
No frio de minha alma, o meu corpo já sua.
A vida que sonhei, jurei que era sua.
Mas não vieste e, só, vida segue má...

Amor, dedicação... São sentimentos frágeis.
As mãos que me negaste, em sonhos eram ágeis.
Reparo bem na sorte...Essa palavra é dúbia.

Pensamos, num segundo em coisa benfazeja.
A sorte de viver, o que mais se deseja...
Porém a minha sorte, esvaiu-se com Núbia...

Nefertite

: Amor, sensualidade, atração

A vida sem seu braço esquece do deleite.
Chorando, convulsivo, a madrugada fria...
Minha esperança, breve, escapa.Fugidia...
Quem dera se eu pudesse, atar-me, como enfeite,

Ao corpo da pantera. Espero que m’aceite
Ao menos um segundo... O meu mundo teria
O brilho d’uma lua. A vida sorriria...
No braço que preciso, aguardo que me estreite!

A solidão atroz aguarda pelo encanto
Da deusa que se esconde, em alvo e belo manto.
Adormeço e não tenho a presença que espero...

Qual falena procuro o lume, mas não vem.
Outra noite se passa; outra vez sem ninguém
Rainha Nefertite: amor, desejo fero!

Salmo 25 - Versos Brancos

Elevo-te minha alma. Em ti, meu Pai, confio.
Que eu não seja humilhado; inimigos não triunfem
Sobre mim. Que não seja humilhado também
Os que esperam em ti. Mas sim, os traiçoeiros!
Mostre-me teu caminho e também t’as veredas.
Guia-me na verdade, ensina-me, és meu Deus
De minha salvação. Espero-te o dia todo!
Da tua compaixão, lembra-te meu Senhor.
E da benignidade, elas são eternas!
Não lembres do pecado em minha mocidade,
E nem das transgressões, tenha misericórdia,
Pela tua bondade, esqueça dos meus erros.
Bom e reto, o Senhor, ensina aos pecadores
Os caminhos e guia os mansos no que é reto.
Veredas do Senhor são de misericórdia
E verdade a quem guarda o pacto e testemunhos,

Por amor do teu nome, a minha iniqüidade
Que é grande, Pai, perdoe. Homem que teme ao Pai
Ensinará o rumo ao qual tu seguirás.
Próspero será, e a terra será sua,
Dos herdeiros, também. O conselho do Pai
E o saber do seu pacto é para os que temem.
Ao Pai, o meu olhar estará sempre posto,
Meus pés desatará. Tenha misericórdia
Estou desamparado estou também aflito.
Pai, olhe para mim. Coração alivie,
Da angústia, me tirai. Olhe minha aflição,
Repare minha dor, perdoa meus pecados.
Meus inimigos veja e verás cruel ódio.
Guarda a minha alma e livre, pois em ti, meu refugio.
Retidão me proteja .Em ti, Pai, eu espero.
Redime, de Israel de todas as angústias!

Noemi: Noêmia

Minha agradabilidade, flor de beleza



Pressinto; a morte vem... Amiga mais cruel.
Levarei pouca coisa: um resto de saudade,
Um gosto de tristeza, a mansa claridade...
A receita da vida; o mel... Bastante fel.

Chuva... Sol... Desamor... Cumpri o meu papel.
Vivi, no meu outono, a flor da mocidade.
Criei algum fantasma... Andei pela cidade
Buscando o meu caminho... O meu destino? Céu?

Pode ser... Mas será? Cometi os meus erros...
Casei-me, descasei... Nos velórios, enterros,
Casamentos...Cinema! O beijo da morena!

Depois: filho e filho... A vida me foi leve...
Uma coisa ficou. Sonho rápido e breve...
Noemi, juventude... Apenas uma cena...

Norma

: Mulher de origem gaulesa


Entardecer... Risonho e delicado brilho.
O sol se esmaecendo encontra a bela lua.
Esta, envaidecida, abre-se toda nua.
Eu, quieto voyeurista, olho e me maravilho!

E depois, satisfeito, o sol segue seu trilho...
A lua se levanta... Orgástica, flutua.
Natura, enamorada... A noite continua...
Quem sabe, dessa lua, amor é belo filho...

Por vezes; encantado. Em outras, tão vazio...
Ao sol vai abrasado, à lua quieto e frio...
Termina num outono, o que nasceu n’estio...

Nas normas desta vida, o nosso amor nasceu...
Tu foste o forte sol, a triste lua: eu...
Ah! Norma, o nosso amor? Apenas breve cio...

Neusa

: Nadadora

Nas ruas desfilava a bela forma, esguia;
Trazia em seu olhar, um raio de luar.
Vontade de viver, vontade de chorar...
Amor fora distante, em plena asa do dia...

Sua beleza rara, a deusa não sabia;
Criança que matava, a cada meu sonhar,
Não via, distraída, a promessa de mar
Que, embalde lhe trazia, em minha poesia...

As ilusões cruéis fatais e terebrantes...
Meu mundo se perdia em olhos tão distantes...
Quem dera Deus me desse amor da bela deusa...

A vida, num repente, em rara em mansa luz,
Talvez não me pesasse e fosse leve, a cruz...
Nas ruas desfilava, a minha deusa: Neusa...

Nice

: Vitória



Paraíso em teu canto, ave bela e mais rara...
Ergueste teu castelo em meio a tempestade.
Feito de etéreo fumo, asas da liberdade.
A mão que me maltrata; a mesma que te ampara.

Persegues nova vida em sonhos, mansa e cara.
Onde tenhas amor, sincera amizade
E a paz d’um paraíso: a tal felicidade!
Teu canto encantador, a vida tão amara!

No teu castelo em dor, a flor perde perfume,
O sonho se esvaindo, o que sobra? Queixume...
Amor que sempre fora o retrato da glória,

Adormecido... Quieto... Espreita atocaiado,
Que outro castelo surja em outro, manso, prado.
Nas asas da ave, Nice; a força da vitória!

Nívea

: Branca como a neve

Resquícios de alegria; um mavioso estio...
O céu se torna espesso, as nuvens vão chumbadas...
O tempo, que era claro: em raios, trovoadas...
A tarde me promete um mundo duro e frio.

Na fumaça da vida, enchente vaza o rio;
Alaga todo o campo, encharca essas estradas.
Assim como minha alma, estão enlameadas.
Acordo e não te vejo. A fantasia crio;

Promessas? Ilusão... Níveo dia? Jamais...
Eu te chamo, ninguém... O dia? Nunca mais...
Noite eterna, doída... O sol jamais virá...

Persigo uma lanterna (esperança) e se apaga...
A noite na minha alma, eterna e dura praga.
Ó meu Deus me responda: onde Nívea andará?

NATÁLIA E NATACHA

: Nascimento, dia natalício


Há tempos fui feliz pois era amado.
Tantas vezes sorria, até cantava
Por caminhos risonhos. Esperava
Que a vida sempre fosse um verde prado...

Tinha você... Meus filhos... Ao meu lado!
A cada novo dia renovava
Minha felicidade. Nenhuma trava...
Mas a cruel quimera, o triste Fado

Num instante infeliz tudo mudou.
E nada do que fui aqui ficou...
A morte me rondando, sorridente...

Mas quis Deus, num momento de carinho,
Que eu não seguisse o rumo mais sozinho
Renasci em Natália, de repente...

Neide

: Nadadora

Na noite, caminhando pelos bares,
Em busca deste sonho que morreu.
Mesmo na claridade, o negro breu.
As lágrimas impedem os luares...

Procuro nos bordéis e nos altares;
Amores que se foram, restou eu...
Nem sombra do que fui sobreviveu.
Nesta noite de ronda, dor aos pares

E meus olhos perseguem esperança...
A cada novo beijo, nova dança,
Aumenta esta distância: vida e paz...

Ninguém percebe, morro a cada instante.
Procuro minha amada, minha amante...
Só Neide a me salvar da dor voraz...
Passo a passo,
Meu passado
Sina e fado
Aço e sina
Corte são
Cortesão
Assassina
A moça e o passo.
Pásso preto
Açum preto
Cego canta
A mão espanta
E ouve a promessa...
A mão se esquece
E recomeça
O velho passo...

“Maria foi passear
O passeio de Maria
Ainda faz mamãe chorar”

Saudade da casa velha
Do mel da abelha,
De toda a telha
Que fez goteira.
A porteira
O gado.
O fado
Levou....

Restou meu peito.
Vadio e pesado
Carrega todo o passado
E nem abre a porteira...
Vasculhei minha gaveta
Procurando tua foto.
Amarelada pelo tempo,
Esquecida em algum canto.
Amassada...

A vida é mesmo engraçada.
Por causa desta foto
Chorei léguas de saudade...

Coração é moleque
E não guarda recado.
Vai trem, vem trem, vai trem, vem trem...
Fica a estação!
Mais uma noite branca! Agora não tem jeito.
No cabaré vazio um cheiro de masmorra.
Não surge um que explique e ao menos me socorra.
É greve de mulher? Alguém fez um mal feito?

Nem mesmo essa aguardente, aquela batizada,
Me esquenta nessa noite. O frio é de lascar!
Vontade de gritar, vontade de dançar!
Vontade de xingar em plena madrugada.

Nem ao menos Maria, a das coxas roliças,
A da boca pequena, a mordida gostosa,
A lambida sofrida, a mão maravilhosa...
A dos restos mortais, Maria das carniças...

Nem ela. Ao menos ela! Eu vou voltar p’ra casa.
Prá casa não me lembro, aqui tem um pé sujo.
Depois daquela esquina, depois do Caramujo,
Eu acho que é ali. Eu boto fogo na brasa...

“Refúgio da Moleca”, o nome do boteco.
Será que aceita cheque? Estou meio lesado.
Prá quê eu vou ficar assim tão preocupado?
Mas se o lugar for bom, depois tem repeteco!

Eu soube que Joana, antiga cafetina
Andou em confusão com Chica Quero Quero.
Nessa panela velha, eu acho que tempero.
Pois Joana é danada, acha cada menina!

Depois disso eu garanto eu não vou mais ligar.
É disse que me disse, eu falo mas eu nego.
Martelo pede cabo o cabo pede prego.
O prego quer martelo... E como vou ficar?

É melhor me calar. Assunto que encomprida
Depois de muito papo aumenta como o quê;
De pequeno, gigante, aí é que você vê.
Amanhã pego o trem, ‘stá na hora da partida...

Mais uma noite branca, e daí o que fazer?

Minas é tão distante acho que não vou não.
Depois o que fazer? Voltar para a mesmice?
É tanta da fofoca, um disse que me disse.
Depois tem problema. A Paula Caminhão.

Eu prometi casar! Cachaça vagabunda!
Foi só tomar um trago, a noite estava fria...
A cama bem quem quentinha, a coceira subia.
É num buraco desses que um caboclo se afunda.

A mãe dela é comadre e meio aparentada.
A cabeça não pensa, a gente é que se lasca.
No fim valeu a pena, a boa da borrasca.
Eu soube, assim por alto, ela caiu na estrada.

Mas, de qualquer maneira a volta é complicada.
Minha mãe está velha e a noite é muito nova...
Eu sei que ela não gosta e sei que não aprova
O fato d’eu chegar em plena madrugada.

Meu pai era peão, e bom de montaria,
Morreu numa tocaia, a mando de um ricaço.
Que depois foi prefeito e que já foi pr’espaço.
Fez aqui, aqui paga a minha avó dizia.

Já tava me esquecendo o meu nome é Gilberto,
Me chamam de Mineiro, eu gosto mais assim...
Eu trabalho no cais, já mexi com jardim,
Faço qualquer serviço, até que sou esperto.

No Rio de Janeiro estou já faz um tempo,
Morei lá no Turano, agora, no Salgueiro.
Sim, eu já fui casado, agora estou solteiro.
Tanta coisa já fiz... Já tive contratempo.

Eu sempre defendi o pão do dia a dia
Trabalhando, vendendo ervas medicinais,
Outras ervas vendi, outras coisinhas mais.
Não venha recriminar, noite sem rango é fria...

Minha mãe? Sabe não! Mas com quatro crianças?
Fazer o quê? Se dane. A vida é muito dura,
Eu preciso de grana, a barra tá escura.
O que você me disse? Esqueça as esperanças!

Isso é papo furado, a barra está pesada.
Jacaré fica quieto? A cobra dá o bote.
Vendia sim senhor! De porção até lote.
Pelo menos assim, a barriga pesada!

Mas voltar para trás? Deixar a molecada?
Nem pensar seu doutor! Favela é um perigo!
Aqui posso falar, mas lá? Eu nem te digo.
A boca e a formiga. Eu não falo mais nada!

Voltando a vaca fria, eu não volto pra Minas.
Minha vida é aqui, com todos os problemas.
Com toda confusão. Tenho lá meus dilemas,
Tem a Praça Mauá e tem essas meninas...

Nancy

: Aquela que é cheia de graça




Toda a minha emoção, é verso sem sentido.
É canto que maltrata um coração sem lume.
É flor que não encanta, a falta do perfume.
É mar que não navego o leme dividido.

Morto, no esquecimento, a sensação do olvido
Invade minha cama, escuta meu queixume.
Sou boca que te morde, a falta de costume,
Retrato na gaveta, há tempos esquecido.

Sou fumo que evapora esparso em triste vento.
Poeira dessa estrada, o céu sem firmamento.
O pouco do que fui, está guardado em ti.

Pois foste um relampejo, um pouco de esperança.
Confesso, nunca mais, saíste da lembrança.
Meu único momento feliz, contigo, Nancy...

Nara

: O que está bem próximo, mais próximo




Quem me dera sonhar um verso mais feliz
Que me trouxesse paz sensação que não vi.
A minha vida, triste, esqueci, por aqui...
Minha alma, tão sozinha esteve por um triz.

Nos bares, cabarés, minha alma meretriz;
Sou pó, sou resto, o nada. O futuro? Perdi
Em meio a tanta coisa, a lama onde cai,
A faca penetrante, a marca, a cicatriz...

Na pureza do olhar desta mulher tão bela,
A garra da pantera, estico e se revela.
Tua carne desejo, o beijo desampara...

Porém nesse segundo, ingenuidade tua,
Que me amas, eu percebo... Enfim achei a lua!
Enfim achei a vida, e me salvaste, Nara!

Nadir

: Vigilante

Quem fora simplesmente mar vazio,
Espera com total ansiedade,
Que a vida sem ter rios de saudade
Não deixe seu amor morrer vadio...

Deleita-se com brilho em mar sombrio,
Acalenta ilusão de liberdade.
Esquece a noite fria e sem maldade
Aguarda por calor no novo estio.

O sonho de salvar-se vai crescendo
Enquanto o duro inverno vai morrendo.
Embora nunca deixe de sentir

O frio que, covarde não lhe deixa.
Quem foi do amor escravo espera a gueixa
Que vai se incorporando e traz Nadir.

Nair

: Aquela que é luminosa



Quem neste triste mundo se perdeu
Nunca teve os caprichos bons da sorte,
A paz nunca chegou. Viveu sem norte,
O sonho que foi claro escureceu.

Quem sempre desfrutou do negro breu,
Sabe a profundidade e dor do corte.
Em plena vida aguarda a fera morte.
Esquece de viver, assim como eu.

Sou trama que não teve mais emenda,
Um velho beduíno sem a tenda.
Sou noite solitária e dolorida...

Nair é com certeza o santo cais.
Depois um outro porto, nunca mais.
A última esperança em minha vida!
Minha alma não sossega, aguarda um novo sonho.
Onde possa encontrar amor em profusão.
Minha alma sempre esquece: amor é perdição.
Mas um dia, quem sabe, o sol chegue, risonho...

Os segredos da vida escondem-se no mesmo
Instante que nasci, depois? É descobrir...
É vontade de ficar, mas tendo de partir,
Vivendo a cada dia, o tempo corre a esmo...

É brincar de esperança e saber que jamais
Terá u’a recompensa... e sofrer meio a toa,
E reclamar que a vida, ingrata, te magoa.
E de repente achar que já sofreu demais...

Eu bem sei deste jogo, amor vira pantera
E depois de um minuto a vida recomeça.
Mas eu também não tenho a sombra d’uma pressa,
Se morreu, já passou, a vida nunca espera...

Depois o botequim, a dança na boate,
Outra morena passa, o beijo não demora...
A vida não tem pressa, a noite não tem hora...
Morena caçadora, em um segundo abate.

A noite no motel, a taça de champanha,
Nessa cama redonda, a cabeça girando...
Aquela velha história, o tempo vai passando,
A dor parece um monte, o prazer é montanha!

Percebendo a jogada, a vida não tem freio.
Passa noite após noite o dia sempre vem.
Se hoje estou tão sozinho, amanhã? Sem ninguém.
Tudo bem. Nasci só. Que há um Deus, eu creio.

E que eu vou morrer. Certo, isso eu tenho certeza
Absoluta. Se dane! A cachaça me cura.
Eu não quero saber se é clara ou se é escura
Se é loura ou se é morena, o que importa? Beleza!

E um jeito sem vergonha, um beijo mais macio,
Um cheiro de pecado, o gosto do veneno.
Amor não tem tamanho, ou grande ou é pequeno,
O que importa em verdade, o resultado do cio...

Um dia inda me mudo, ou nunca mais, quem sabe...
Se mudar, cadê limo? Assim vivo melhor.
Danado colibri. A flor? Eu sei de cor.
Nesse mundo de Deus, toda saudade cabe...

Nadia

: Espírito de luz




Em toda tua vida, em tudo foste eleita,
No sonho que me embala, intensa claridade.
No tempo que me resta, a plena eternidade.
Minha alma ao te saber, se eleva e se deleita.

A mão tão delicada, a boca mais perfeita...
O lume d’uma estrela imensa intensidade,
Espírito de luz, total imensidade!
O dia em que chegaste, a vida satisfeita!

Meu verso te procura em cada pensamento,
O medo que tortura, esparsa-se no vento.
Ao ver-te, me imagino, alçando pleno vôo...

Quanto mais alto estou, mais perto estou de ti.
Emoldurou-te Deus, no sonho que perdi.
Nádia, desde que foste, eu nunca me perdôo!
A mão que acaricia, em garra já se atreve.
A noite não permite o brilho em novo dia.
O canto que me deste, a dor o revestia.
No sol do nosso amor, o lume não se escreve.

De todo nosso sonho, a manhã morreu breve.
O que levamos? Nada. Amor não mais havia...
A lágrima forjada, a carícia mais fria.
Agora o tempo corre, a vida se faz leve!

Não sinto mais cansaço, esqueço o meu tormento.
Não quero mais mentira abraça-me a verdade.
Não quero nem aceito a tua piedade.

Notícias que me deste, espalho-as no vento.
A lágrima que corre, o sol que anda mais forte.
A voz tão engasgada, aguarda minha morte...
O nó, minha garganta, a lágrima desata.
Distante, teu caminho, aguarda a velha fera.
Quem dera minha amada, a morte da quimera.
O canto mais sofrido, a noite já retrata.

Me perco em tua ausência, a vida me maltrata.
A fortuna me trai, traz garras de pantera.
A razão me abandona, a morte já se esmera.
A vida, traiçoeira, a sorte é tão ingrata.

Espero o meu triunfo, a paz nunca revejo.
O sonho deste amor, em solidão trovejo.
Na braça deste rio, as margens se abarrancam.

O fogo que queria, a chama se apagou,
A lágrima que escorre, expõe tudo o que sou;
Agora é meu final: sangrias não se estancam...
Amor que tanto mimo escusa-se de engano.
Minha alma feita seixo, em águas se lavava.
Qual alga neste mar, nos sonhos flutuava.
A noite que chegou, promete duro dano.

Quem sabe deste amor, se lava em desengano.
Em calmaria audaz traz vulcânica lava.
Na boca, mais mordaz, a faca, em costas, crava.
Amor sabe procela, embarca no oceano...

Vestígios de saudade, a tarde sempre traz.
O rumo do meu verso, a lágrima distrai.
A tarde em minha vida, ao meio dia cai,
De tudo que escrevi, só peço a minha paz.

Não sou mais controverso, aguardo teu recado,
O mar deste universo, espreito da janela.
A cor desta morena ou jambo ou canela.
O mote que me deste, escuro e maltratado

Peço-te não perdoe, espero teu castigo;
A mão anda cansada, estreita, dura, em prece.
Amor que tanto mimo, a lua não merece.
Depois de tanta coisa, eu quero estar contigo.

Um carro em disparada, a rua é tão deserta,
O manto da alvorada, estrelas são a linha.
Amor que se conteve, agora não és minha!
Depois de tanta luta, esqueces minha oferta.

Bendita claridade! Embora esteja escuro.
O vão já se desaba e caio desta ponte.
No meu olhar, distante, aguardo um horizonte.
O chão , depois do tombo, eu sei que é bem mais duro.

Vestígios do que fui, te trago na bandeja.
Da santa guilhotina, o resto sempre é teu.
Na faca que me lambe, o meu amor morreu.
Amor que nunca tive, o pranto não deseja.

Repare nesta estrela... O brilho é muito escasso.
Cometa repentino, espero um novo dia.
Agora, não se esqueça, a velha fantasia.
O mundo me carrega, aguardo um novo passo.

Em verso alexandrino, eu canto esta desdita.
O sol que não raiou, estrela que não veio...
O mundo que restou... Só quero ter teu seio.
A noite me embriaga... A cachaça é maldita!
Por que tu me deixaste? Em vão eu te pergunto...
A vida parecia um pássaro contente.
A paz nos comovia; amar eternamente!
Na dor que me legaste, a morte é meu assunto.

Amor quando se quer é bom que seja junto.
Ó tempo que vivi, eu era tão contente!
Amor era meu guia...A vida, mais urgente.
O mundo mais feliz, fantástico conjunto.

Mas Deus, tempestuoso, em prantos me deixou,
Um canto de agonia, o que de mais restou.
Minha alma se transtorna, ausência me corrói...

Álgida madrugada, aurora nunca vem.
Acordo. Aqui do lado, espero, mas ninguém!
Tu foste muito cedo. Ah como a vida dói!
Belo templo do amor, por toda a minha vida
Em cada novo dia, em sonhos visitei.
Amar era promessa e também foi a lei.
A luz que iluminava, agora destruída...

Procuro pelo templo, aguardo uma saída;
A mata que o cobriu, em sonhos, alcancei.
Das urzes do caminho, as lágrimas, eu sei.
Ó templo que se esconde! A treva irá, vencida?

Na mão, carrego a foice, a última esperança!
Desbasto o triste mato, em plena confiança.
Nos braços, tanto espinho, os olhos marejados...

O templo não vislumbro, o tempo vai passando...
Despojos da saudade, o caminho se fechando.
O corte mais profundo. Os sonhos des’perados!
MOTE


Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente...

Luís de Camões





Amor, a tempestade, em calmaria breve
É pesadelo louco. Espero e me destrói
Ao mesmo tempo cura, amputa e tanto dói!
É fardo que carrego e que me deixa leve.

É mão que me tortura, em carinhos se atreve.
Depressa, cicatriza, um segundo, e corrói.
Esfacela meu sonho; a vida, me constrói.
É frio no deserto, e sol em plena neve.

Amor manto desnudo, e clara madrugada;
Serpente que me beija, a boca envenenada.
Derrota na vitória, os louros na derrota!

É pleno contra-senso, um barco sem destino.
Ao velho, pleno encanto, e volta a ser menino.
Amor é louco guia, esquece-se da rota!
Destino tão cruel são duros os meus fados!
Os sonhos de mudança em teus braços levaste.
O tempo se passou e nunca regressaste.
Agonizo sem ter o bem dos teus cuidados...

Os males que deixaste, em mim são redobrados.
Ó Deus, não acredito, o quanto tu mudaste!
Um vaso que se quebra, a luz que carregaste.
Os dias sem teu canto, em vão, desesperados!

O sal da minha vida, o pranto que vivi;
A sorte que não veio... O que restou, aqui
Um homem retraído, o manto da saudade.

Dobra-se um triste sino em homenagem tétrica
O verso que te faço, embalde, perde métrica
Na trilha do destino, eu vou, sem claridade!
Sim! Desde aquela noite os meus sonhos deixaste.
Eu nunca imaginei, um dia em esquecer-te.
Por tanto que te quis jamais pude entender-te;
Amor que se morria, em vão, não renovaste.

No mundo caminhando, apenas sou um traste.
Por certo não consigo o prazer de entreter-te.
Desculpe se, talvez, eu venho aborrecer-te;
O certo é que não amo, e por isto, magoaste.

Nesta noite passada, em perfeita harmonia,
Dormi sem ter problema, a noite não foi fria.
O manto que me cobre alvura dum lençol.

O mar que já não tempesta. A mansidão da paz.
Um vento tão macio, a noite sempre traz...
Olhar que me queimava agora é um farol...
Meus campos se alegrando, escondem meus segredos...
Nas águas, a frescura, o brilho do cristal;
O vento mais solene, as roupas no varal...
Distante, já percebo, o sol nos arvoredos.

Na noite que passou, livrei-me dos meus medos.
Meu peito, agora, aberto, aguarda o teu sinal;
A vida se promete, um brilho sideral.
Saudade já mergulha, invade outros enredos.

No deleite do verde, as mãos mais olorosas
Matar a minha sede, em águas deleitosas.
A noite que virá é toda do meu bem.

A bela flor silvestre encharca-se em perfume.
Do sol que me irradia, o mais perfeito lume.
Na noite que virá; nós dois e mais ninguém!
Quero-te totalmente! Eu quero ser teu fardo.
Eu sei que, na verdade, escondeste de mim
O que te deixou triste. Eu sei que mesmo assim,
O amor sempre tem sido imagem dura, um cardo.

Desculpe se não sou, um vate nem um bardo,
O manto que te cobre espelha meu jardim,
A cor da bela rosa, o cheiro do jasmim.
Cupido me acertou, dos céus, o fino dardo.

Meu verso vai capenga, e quase desvalido,
Buscando teu abraço, um beijo, assim, partido.
Exuberante lua, aguarda teu sorriso.

No cimo da montanha, o reflexo do sol,
A brisa, quase mansa, a cama, o meu lençol;
Só falta te encontrar pr’a ser o paraíso!

Lucia

: Luz, iluminação

Orvalhada manhã, um vento tão suave.
O sol emoldurando esta cena fantástica.
A mão de um deus artista, a cena, bela plástica.
Meu coração amante a bordo desta nave...

Um passarinho livre, uma apaixonante ave,
No trilho desta luz minha alma fica estática.
Vento em minha narina, uma essência aromática
Num átimo embriaga. A vida sem entrave...

Delícia desta paz, é tudo que preciso.
No orvalho da manhã, decerto, o paraíso.
Na maciez do canto, um sonho de pelúcia...

Um beijo da alvorada, o coração desmaia...
Debaixo deste sol, a onda em minha praia,
Amor tão transbordante: a luz que me traz Lúcia...

Luciana

: Luz, iluminação


Que importa ser feliz? A vida não promete...
Um rasgo de saudade invadiu o meu quarto.
De tanto que sofri, eu ando meio farto.
A lua já fugiu, intrépida vedete...

Depois que já se foi o amor de Elisabete,
Meu coração não quer saber de novo parto
Na parede, jurei, não quero mais retrato.
No carnaval da vida, em cinzas meu confete.

Versejo e não me caso; amores vêm e vão!
O que ficou aqui? Vadio coração!
A mentira do amor, te juro, não me engana!

De fraudes ando cheio, agora vou vazio.
Sossego meu cantar, não quero um novo cio...
Mas eis que em ti, reparo e embarco em Luciana!
A vida passa, brusca; e , nela, a sensação
Desoladora e triste, o gosto mais amaro.
Deixa-me, então, decerto, o desejo mais raro.
O de percorrer, livre, espaço e amplidão!

Nunca despreze a dor, nem negue o seu perdão.
Amor belo, de outrora, a morte sente o faro
E em menos d’um segundo, está no desamparo!
Amor é qual semente, a rega brota o grão.

Não despreze a mulher mesmo que não a queira.
Amor nunca permite afronta nem cegueira.
O vaso que se quebra, aceita nova cola.

Mesmo que nunca seja igual depois da queda.
Amor sempre se paga, o beijo é a moeda.
Por fim, amor não sabe e não respeita escola!

Luana

: Africano, de Luanda


África, paraíso! Em sonhos, a percorro...
Deserto, na savana, em meio a tantas cores...
Um leão corre solto... As matas, suas flores.
Um céu pleno de anil, na rubra terra, o forro...

Um peito enamorado em busca de socorro;
Buscando, na floresta, o cheiro dos amores.
Na savana angolana, estrelas multicores!
Estou apaixonado! Em braços mansos, morro...

Lembro-me da menina, uma deusa angolana!
Seus olhos, meu farol; quão bela era Luana!
A vontade de voltar, o meu coração manda.

Distante, no Brasil, um verso triste faço.
Quem dera viajar rasgando todo espaço
E num segundo só,voltar para Luanda!

Lucélia

: Luz, iluminação



A lua no sertão, meu amor sertanejo...
Abrindo essa janela a lua, intensa brilha.
Promete a minha vida imensa maravilha.
A lua se esbaldando, espelha meu desejo...

Vem cá minha morena, espero por teu beijo.
A lua faz o claro, então vamos na trilha.
As urzes no caminho, espreita e armadilha;
Um sonho cristalino; olhar brilhante vejo!

A lua, companheira, anseia pela aurora.
Estrela tão formosa, a cena se decora!
Ó lua do sertão! Meu sonho e minha luz!

Lucélia me deixou, roubou a claridade.
A lua que carrego, a lua da cidade...
Da lua do sertão, ficou só a saudade...

Lorena

: Louro ou folha de louro

Na flor mais olorosa amor mais que perfeito...
Na dança, uma promessa, a tal felicidade!
Amor quando sincero, escusa-se de alarde.
Espero por teu colo, aguardo no meu leito...

Embora verdadeiro, escondo meu defeito.
Não venha me dizer que é pura falsidade.
É que paixão não deixa a tal sinceridade
Ser plenacomo quero. Amor é desse jeito!

Mas eu posso dizer que te amo plenamente,
Pois em todo esse jogo, a gente sempre mente!
Em toda a minha vida eu quis essa morena.

Agora, a primavera explode num verão
A dor, antiga fera, em plena solidão!
Total felicidade: abraço-te Lorena!

Lourdes

: Alta e escarpada


Em plena cordilheira um condor alça vôo.
Andina claridade o vento forte e frio.
Meu coração gelado outrora tão vadio,
Olhando lá de cima, amores sobrevôo.

As dores que causaste eu bem que te perdôo,
Do alto da montanha espero um novo cio...
A moça que reparo à beira deste rio,
Corpo delicioso, eu sempre me atordôo.

Nesta pele morena, a boca deslizar!
Amor sempre alucina o meu peito, o luar...
Quem não amou, na vida, embalde teve nada!

Mergulho sobre a moça um vôo magistral,
Nos meus braços, retenho, o sonho genial,
Com Lourdes que sonhei, bem alta e escarpada...

Lívia

: Pálida, lívida

Cinzas, a tarde cinza em nuvens, escondida.
A chuva que virá decerto me entristece...
Em lágrima vertida, em pranto, minha prece...
Parece que perdi o rumo, em minha vida!

Quem fora mais sereno aguarda que decida
A mão que me machuca, o canto se endurece;
Na tarde nebulosa, a tempestade desce...
A juventude morta esconde-se, perdida...

Um dia, a mocidade em toda plenitude,
Sonhei com teu carinho, amor sempre se ilude.
Manhã ensolarada, a primavera cálida...

Depois, entardeceu... Tantas nuvens chegaram...
A tarde acinzentada; as manhãs se acabaram...
Lembranças doces, Lívia, alvor da manhã pálida...

Ligia

: Natural da Lígia, região da antiga Alemanha


Eu gostava do mar, isso nunca escondi.
Mar, praia, areia, sonho! As ondas e sereias.
Amando sobre a onda, o sol tramando teias...
No Rio de Janeiro, em Santos ou aqui.

Praias, ondas, marés... Nas conchas, belo canto,
Na pele, puro bronze, o tempo não tem pressa...
Porém a tempestade, explode mais depressa.
As ondas em procela, o mundo em desencanto...

Meu verso, enamorado, esgota-se na lama.
O sol que fora amigo, explode em dura chama...
O tempo transtornado, um resto de esperança

Adormecida luta, embalde, se destrói.
A craca em meu navio, o casco já corrói.
É morte, sem ter Lígia, a negra noite avança!

Lílian Liliana

: Lírico, ou lírio

Célere veio a noite entranhada de medos...
Um sorriso resiste, a noite não perdoa.
O pensamento livre, os céus já sobrevoa.
Quem sabe desta noite encara seus degredos.

Pensamento me leva, acima d’arvoredos.
A noite se revolta, um brado forte ecoa.
Da luta não me solta, embarco na canoa
Dos sonhos, companheira... Eu guardo seus segredos...

Também conheço o dia, aurora é minha amiga.
A noite não percebe a morte que periga!
O brilho da alvorada, espreita este martírio.

Bem sabe que travei com a noite em tempestade.
Na luta que sonhei, venceu a claridade!
Em Lílian minha amada, a força d’alvo lírio!

Lidiane: Irmã

Um canto de saudade... Um resto de paixão...
Amante dedicado, espero por teu colo...
Mergulho num segundo, o meu limite é o solo.
Sonhando, vou morrendo, em busca do perdão!

Valsavas, numa noite, em plena fantasia...
O teu vestido, branco, um sonho mais feliz.
A vida me sorria, o teu amor me quis!
As águas deste rio, o vento me trazia...

Porém, em mendicância, a noite ressurgiu.
O canto da esperança esconde triste ardil.
A noite em minha vida, abraça-me, feroz!

Bradando, então, teu nome; espero, enfim, notícias.
Quem dera reviver meu mundo de delícias...
Amada Lidiane, escute minha voz!

Lídia: Irmã

Lídia: Irmã


No cigarro que fumo amor em espirais...
Distante, cai a noite; o vento me tortura...
O canto que sonhava, estribilha: jamais!
Não quero conceber minha total loucura!

Alvíssima menina, o meu preciso cais.
A barca que sonhei, no mar de tanta alvura;
Esconde-se infeliz, tanta tristeza traz...
Quem dera se tivesse amor que, santo, cura!

Vivendo a solidão, cigarros devorando,
O medo desta luz, que tanto me fascina.
Embalde, procurando, o mar que fosse brando...

Sou pobre passarinho engaiolado em dor.
O rosto que se mostra, a mais doce menina...
O vento me tortura, em Lídia, meu amor...