quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Eu temo teus segredos, pois são meus...

Eu temo teus segredos, pois são meus...
Cada vez que fugia proutros braços,
Eu sempre me encontrava em teus abraços.
Comparsas, tantas vezes, meros breus!

Em todos os pecados, bem ateus,
Vivíamos correndo os olhos baços,
Cruzando esses limites sem cansaços,
E sem temer, ao menos, sequer Deus...


Não podes confessar, pois, a ninguém,
O que tanto tramamos, nossa história...
Fingimos comportar querermos bem.

Mas, em verdade, fomos essa escória.
Fazíamos da noite, uma refém.
Por isso, por favor, cegue a memória...

Velha Praga

O seu caminhar célere na sala;
Passando por qualquer novo orifício,
Demonstra o quanto audaz, no seu ofício.
Perturba totalmente, e sequer fala...

Não respeitando nada, sal ou bala,
Qualquer coisa servindo como vício;
Nas mais altas montanhas, precipício,
Vive qualquer lugar, mesmo na vala...

Com certeza não sabe ser amiga,
Companheira de todos, tão antiga.
No campo, na cidade vem, estraga,

Seu nome representa vera praga;
Roubando, produzindo velha chaga
Não posso suportar essa formiga...

Trovas - Medo trago na bagagem

Medo trago na bagagem,
Na barragem do segredo,
De enredo sei a coragem,
Na aragem do meu degredo...

Ostra traz na sua dor,
A riqueza delirante,
Tanto quanto meu amor,
Traz a dor a cada instante...

Nas cercanias da vida,
Encontrei a minha sorte;
Se não sei da despedida,
Como irei saber da morte?

Recebi tantas propostas
Para conhecer a lua.
Se não me deres resposta,
Minha vida será tua...

Meus velhos penduricalhos,
Carrego sem ter mais dó;
Dessas árvores, seus galhos,
Vão me deixando tão só...

Fiz meu ninho na mortalha,
Das dores fiz o meu mar.
Meu amor não me atrapalha,
Senão falha esse cantar...

Minha lábia foi pro brejo,
Meu olhar fugiu de ti;
Meu amor morreu no Tejo,
Desde o dia em que nasci...

Tenho cais, quero navio,
Tenho luta, quero guerra,
Tenho luz, quero pavio,
Quem tem seu amor não berra!

Vida traz tal saliência,
Que revela o bem querer;
Não vem me falar clemência,
O meu amor é você!

As teias vou ateando,
No campo das azaléias;
Nessas atas vou atando,
As asas dessas atéias...

A beleza que não salta,
Nem revolta quem não é;
A tristeza quando assalta,
Acaba com toda fé...

Na metade do caminho,
Cama dei para Luzia,
Ninho para meu benzinho,
O resto deixei pra Lia...

Mar trazendo maresia,
Vida trazendo vingança.
Desse pó a poesia,
Da minha espera, esperança...

Não temo trem nem tremor,
Nem quero vintém, tostão...
Nem amoras nem amor,
Violência e violão...

Num bolero, dançando com Teresa

Num bolero, dançando com Teresa,
Nossa noite transcorre macia,
As costas semi-nuas, melodia
Transformando, levito em tal beleza...

O perfume Gardênia, traz leveza,
A mão mais audaz, lúdica, vadia...
Quem me dera morresse nesse dia...
Minha alma espalharia natureza...

Nesse ritmo frenético da dança,
A noite sem sentirmos, mansa, avança...
Flutuando, seus passos são divinos,

Procuro me conter, meus desatinos;
Trago felicidade de meninos,
E ao beijar esses lábios, esperança!

Amor Rebaixado

A minha amada Maria,
Depois de muita conversa,
Todo dia me exigia,
Casamento assim depressa...

Por um motivo banal,
Não pude nem ofertar,
Sem dinheiro, o principal,
Como vou poder casar?

Maria me disse sentida,
Isso né motivo não,
As coisas boas da vida,
Moram no meu coração...

Pensando nessa verdade,
Olhei pra cima, pro céu,
Reparei na claridade,
Maria, bela com véu...

Ofereci pra beldade,
Um lugar para morar,
Falei, sem falsidade,
O que dava pra comprar...

Lhe disse: que tal Mercúrio,
Ela olhou bem diferente,
O lugar é bem espúrio,
Eta lugarzinho quente!

Sem dinheiro, o que é de menos,
Eu falei em procurar,
Um terreno lá em Vênus,
Nem me deixou completar...

Cheio de carinho e arte,
Belo tom avermelhado,
Eu fui falando de Marte,
Me disse não, é gelado...

Olhei um olhar soturno,
Minha voz, coloquei mel,
Como é lindo esse Saturno!
Nem Saturno, nem anel...

Falei, agora com medo,
Júpiter é maioral!
Foi me contando um segredo,
Muito grande, passo mal...

Pensei, mudando de plano,
Num terreno mais distante,
Fui pensando em Urano,
Me disse: passe adiante...

De nós dois virarmos uno,
Tanto sonho nessa vida,
Nem pude dizer Netuno,
Me falou em despedida...

Mas agora estou ferrado,
Não posso falar Plutão,
Tal qual como estou, rebaixado,
Não é planeta mais não!

Décimas - Saudade

Saudade – mulher amada,
Dos nossos beijos roubados,
Saudade dos tempos passados,
Na noite, na madrugada,
Da tua boca molhada,
Dos corpos entrelaçados,
Dos desejos mais molhados,
Desse tempo que não volta,
E, por não voltar, revolta,
Corações apaixonados...

Saudade da minha infância,
Onde vivi felicidade,
Trazendo tanta saudade,
A quem não teve constância,
Da sorte teve distância,
Mas foi feliz por um dia,
Vivendo da fantasia,
Que nunca mais voltará,
Saudades torrada e chá,
Que minha mãe me trazia...

Saudades da minha terra,
Que ficou no meu passado,
Olho o tempo, vou de lado,
O coração não encerra,
Pesando daquela serra,
Inclinado vai andando,
Tanto lugar se mostrando,
Nas curvas da existência,
Mas, saudade, diz clemência,
Num retrato, recordando...

Saudade da juventude,
Onde não tinha nem medo,
A força era meu segredo,
Onde sempre quis não pude,
Amar assim, amiúde,
Quem nunca mais queria,
Mas a vida era vadia;
Nem sonhava recompensa,
Vida leve, breve, densa,
Saudade faz melodia...

Saudades do grande amigo,
Que ficou lá no sertão,
Seguindo por outro chão,
Nunca mais terei comigo,
No conselho, paz, abrigo...
Na vontade de ser rei,
Tantas vezes que eu errei,
Tive o braço companheiro,
Hoje sei do mundo inteiro,
Mas saudade também sei...

Saudade do Botafogo,
De Garrincha e de Didi,
Do melhor time que vi,
Não tinha nem pena e rogo,
Brincando, ganhava jogo,
Nas pernas tortas e loucas,
Vozes delirando roucas,
No Maracanã da vida,
Pena que vai esquecida,
As lembranças são bem poucas...

De minha mãe a saudade,
Dói essa dor tão cruel,
Mãe na terra, mãe do céu,
Simbolizas claridade,
Se a vida traz falsidade,
A verdade em ti está,
Onde eu estiver, é lá,
Que teus olhos estarão,
Nesse imundo mundo cão,
És um porto mais seguro,
Se me escondo nesse escuro,
Representas o clarão...

Saudades desse meu filho,
Ceifado logo bem cedo,
Deixando meu grande medo,
Novo enredo que hoje eu trilho,
Sua dor, meu estribilho,
Entoando todo dia,
Martiriza a noite fria,
A saudade rasga o peito,
Pergunto qual meu direito!
Vou vivendo essa agonia...

Saudades dessa esperança,
De viver um mundo justo,
De respeitarem arbusto,
De respirar nova dança,
De teimar em ser criança,
De ter um mundo melhor,
Sem diferenças e guerras,
Nossa Terra, tantas terras,
Nosso sonho ser maior,
Justiça saber de cor...

Saudade trazendo um laço,
Prendendo o que for saudade,
Saindo da realidade,
A vida acolhendo meu passo,
Descansar esse cansaço,
Duns olhos de sertanejo,
Na campina, no desejo,
Do trabalho, lindo sonho,
Minha saudade, te ponho,
No canto dum realejo...

Saudade dessa mulher,
Saudade dessa criança,
Saudade dessa festança,
Saudade, jovem, me quer.
Saudade, jogo qualquer...
Saudade tão companheira
Saudade dor parideira,
Saudade doce Natal,
Saudade desse ideal,
Saudade da vida, inteira...

Cordel - A minha sina - capítulo 7- Nas Cirandas do Tororó

E depois da confusão,
E de ter quase morrido,
De ter saído fugido,
Com o coração na mão,
Desse bosque Solidão,
Fui correndo sem olhar,
Não podia nem parar,
E nem prestar mais socorro,
Desce morro, sobe morro,
Nem deu tempo pra pensar...

Fui procurando fugir,
Sem pensar nem um segundo,
Procurando um outro mundo,
Sem medo de prosseguir,
Vou seguindo por aí.
Reparei, dei atenção,
Inda tinha o coração
Da maldita junto a mim,
Pensei bem depressa sim
Me livrei da maldição...

Coração já descartado,
Como sempre vou tão só,
Sem querer tristeza e dó,
Eu vazei no capinado,
Sem olhar pra cima ou lado,
Fui seguindo meu rumo,
Aprumei, enfim o prumo,
Deixei léguas de distância,
Andando com mais constância,
Dessa vida quero o sumo...

Sumo da minha saudade,
Fé na vida e no futuro,
Não temo morte nem muro,
A vida na qualidade.
Amor bom de quantidade,
Que não dá pra nem ter pena,
Na certeza tudo acena,
Pelos campos e sertão,
Procurando esse estradão
Sem ter viagem amena..

Nos trombolhos dessa serra,
Capotado mais de fome,
Não tem tempo que se some,
Nem quem acerta mais erra,
Estradeira, tanta terra,
A vida não deixa só,
Posso até comer timbó,
Mas a sede é mais ingrata,
Se bobeia, vem e mata,
Procurei por Tororó...

Na sede que me encontrava,
Qualquer coisa me servia,
De cacimba ou de bacia,
A sede que me matava,
Nunca mais que se parava,
Pelo Tororó eu sei,
Naquela terra sem rei,
Muita fonte bem servida,
Salvaria a minha vida,
Mas nessa sina eu errei...

Pensando n’água gostosa,
Minha boca até tremia,
Minha vida, nesse dia,
Era coisa perigosa,
Nem dei dedo de prosa,
Fui em busca de beber,
Dando fim ao padecer,
Mas não encontrei a fonte,
Sequinha até nessa ponte,
Agora é que vou morrer!

Mas, parece não queria,
Que essa vez fosse a minha,
Uma bela moreninha,
Com um jeito de vadia,
Beata de sacristia,
Foi a minha salvação,
A sede matei então,
Nesses lábios tão molhados,
Reparei, olhei pros lados,
E segui minha missão...

No Tororó, eu deixei,
Essa gostosa morena,
Fiquei mais morto de pena,
Pelos matos, eu entrei,
Não tenho caminho eu sei,
Preciso seguir viagem,
Não posso fazer bobagem,
Senão estou mais ferrado,
Não sou cabra abobalhado,
Nem posso ver sacanagem...

O sono vinha chegando,
Um sono desavisado,
Me pegou despreparado,
Meu caminho vou andando,
Nem sequer vou reparando,
Nem nas curvas dessa estrada,
Não quero saber de nada,
Não me importa mais a hora,
Pois, se não dormir agora ,
Dormirei de madrugada...

Avistei nesse caminho,
Na ciranda, requebrando,
Esse pessoal dançando,
Coisa de muito carinho,
Mas, pensei, sou eu sozinho...
Não pude nem reparar,
Quando ali, eu vi chegar,
Com a boca tão bonita,
A minha querida Rita,
Que ficou lá no luar...

Essa bonita Ritinha,
Era moça bem prendada,
Numa noite desgraçada,
A lua por ser sozinha,
Roubou o brilho que tinha,
Os olhos dessa menina,
Deixando mais triste a sina,
De um cabra mais infeliz,
É por isso que se diz,
Que a lua é mais cristalina...

Mas nesse momento santo,
Minha vida teve um manto,
A beleza dessa Rita,
Coração vem e palpita,
Calando todo meu pranto,
No mundo do cirandar,
Procurando sem parar,
Sem temer estar sozinha,
A minha amada Ritinha,
Me escolheu como seu par...

Dançando sem paradeiro,
Minha vida ficou bela,
Não queria nem ter vela,
Nem queimar meu pardieiro,
Bastava do mundo inteiro,
Era ali que eu encontrava,
A vida que eu procurava,
Sem ter medo de viver,
Ali posso até morrer,
A morte não me cansava...

Mas, momento distraído,
Olhando pr’essa beleza,
Reparei pr’a ter certeza,
Pensando no já sofrido,
Nesse mundo dividido,
Entre meu Deus e o diabo,
Reparei que tinha rabo,
Naquela moça bonita,
Olhando os olhos da Rita,
Agora é que eu me acabo...

Os olhos avermelhados,
Me mostraram meu engano,
Duas orelhas d’abano,
Bigodes mal aparados,
E dois chifres disfarçados...
Na roda dessa ciranda,
Dei pinote fui de banda,
Correndo sem ter sossego,
Larguei a mão do pelego,
Senão o troço desanda.

Minha sorte foi tamanha,
Que peguei bem de surpresa,
Já contava com a presa,
Mas nem bem perde, nem ganha,
Nem de leve mais arranha,
A garra dess’ animal,
Quarei roupa no varal,
E sumi sem dar recado,
Das vistas do disgramado,
Montei cavalo de pau...

O capeta então sentiu,
Outra vez eu escapava,
Mas sossego não me dava,
A cor então me fugiu,
Meu cavalo, foi, saiu,
Voando pelo sertão,
Como fosse assombração,
Vazando pelo cerrado,
Eu nem olhei para o lado,
Varejei nesse estradão...

João Polino e a Caixa de Cedro

Aquela caixinha de madeira era uma das coisas mais importantes que João Polino tinha.
Uma das mais não, a mais importante. Guardada a sete chaves não mostrava para ninguém a não ser para a sua amada Rita, mesmo assim depois de que essa jurou por todos os santos que não iria nunca revelar a existência de tal tesouro.
Não era muito bonita nem apresentava detalhes e nem entalhes, era uma pequena caixa feita de cedro, de forma quadrada com mais ou menos um palmo de altura.
Dentro dela nada havia sendo, por assim dizer, uma caixa rústica e comum; mas raríssima, ao mesmo tempo.
Não pela qualidade ou pela beleza da caixa, nem pela caixa ao menos, o que transformava tal objeto em peça única será explicado a seguir:
Nos idos de 1940, João Polino se tornara caixeiro viajante como pudemos relatar anteriormente.
Nas suas andanças pelo interior de Minas e do Espírito Santo, conhecera um turco, conhecido como Salim, embora seu nome provavelmente fosse outro, que vendia roupas e tecidos para as mocinhas curiosas e elegantes desse interior afora.
Um dia, por uma dessas desventuras que atingem-nos de vez em quando, a vida se tornara extremamente difícil para Salim. Envolvido em dívidas impagáveis, precisava urgentemente de dinheiro. E isso não era fácil, pois estamos falando de uma região decente, mas pobre, muito pobre...
Ao saber que João estava economizando dinheiro para comprar uma casinha onde iria compartilhar o amor de sua vida; Salim resolveu chorar suas mágoas com o velho amigo e pedir algum dinheiro emprestado.
João, como tinha um coração extremamente suscetível e gostava, realmente, do amigo turco, não pestanejou e emprestou cinco contos de réis a Salim.
Essa quantia era extremamente vultosa para os parâmetros da época e do lugar. Uma verdadeira fortuna!
Passados quase dois anos do empréstimo, nada de Salim falar em pagamento e, pelas vestimentas usadas por ele e, principalmente depois da compra de um carrinho, usado é verdade, pelo caixeiro, João começou a ter vontade de cobrar a dívida.
Quando falou em pagamento, Salim desconversou e alegando novas dívidas se disse impossibilitado de pagar o que devia.
João, ao perceber que tinha sido passado para trás, esperneou e falou mais alto, prometendo que iria receber o dinheiro a qualquer preço.
Sabendo da fama de brigão e bom de sela do companheiro, Salim fez uma proposta:
Já que não tinha dinheiro iria pagar com a coisa mais importante que possuía na vida, herança de seus antepassados libaneses: uma caixa.
Mas não era uma caixa qualquer, era uma caixinha de cedro feita pelo maior carpinteiro de todos os tempos.
Ele, Ele mesmo, Jesus Cristo!
Ao saber disso, sem pensar duas vezes, nosso herói aceitou tal objeto sagrado e único como forma de pagamento do empréstimo.
E, todas as noites, rezava defronte àquela relíquia com toda a fé e devoção.
Passou-se o tempo, recomeçou a ajuntar dinheiro, casou-se, mobiliou a casa e teve os filhos, um após o outro até completar seis com o nascimento da caçulinha Ritinha e a adoção do sétimo, nosso amigo Gilberto, a imagem espelhar de João Polino.
Gilberto era muito curioso e não respeitava nada dentro da casa, ainda mais que, por ser mais novo que os netos mais velhos de João e Rita, tinha os privilégios que somente os netos têm.
Um dia, sem mais nem menos, Gilberto pegou a caixa, semi apodrecida pelo tempo e corre pela sala mostrando a todos a sua nova descoberta.
A caixa de madeira, orgulho de João Polino. Ao ver o menino com aquele objeto na mão, dona Rita gritou para que ele a desse antes que João chegasse pois, senão a coisa ia pegar.
Gilberto, assustado com o grito inesperado de dona Rita deixou a caixa cair. O estrago foi imediato, com uma enorme fratura na madeira, deixando uma rachadura de ponta a ponta no objeto sagrado.
Dona Rita entrou em desespero, o que iria dizer para o marido, como impedir que esse desse uma sova em Gilberto, o que iria fazer?
Até que, num momento de serenidade, Loza, sua cunhada, teve uma brilhante idéia.
Levar a caixa até um carpinteiro conhecido em Iúna, cidade próxima, que daria jeito em dois tempos.
Combinaram que levariam a caixa para ser consertada no dia seguinte.
Chegando à carpintaria do “Seu” Juca, tiveram uma decepção gigantesca quando esse disse que não adiantaria tentar consertar o que não tinha mais conserto, devido ao fato de que a madeira estava totalmente apodrecida e não agüentaria nem uma meia sola.
Dona Rita, então, num gesto desesperado, contou a história da aquisição do objeto por João sem omitir sequer os detalhes da origem e raridade do mesmo.
Ao que, Juca não pestanejou e respondeu rápido:
“Dona Rita, o carpinteiro que fez essa caixa pode ser até Jésus mas, jamais Jesus”.
“Repare aqui no canto inferior da caixa”.
Ao que, entre decepcionada e aliviada dona Rita leu : “Fabricado em Ubá MG”.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

A cada tempo...

No tempo do meu sonhar,
Tempo que vai tão distante,
Procurando a todo instante,
Por tempo, espaço e lugar,
Acreditando passar,
A temporada da vida,
Numa luta divertida
No meio da tempestade,
Trazendo amor de verdade,
Sem ter lágrima sentida...

Tempo me traz essa brisa,
Onde o coqueiro balança.
Traz um guerreiro com lança;
A mão nesse mar que alisa,
O riso da Mona Lisa,
O medo de não prosseguir,
Meu tempo de tempo vir,
Nos contratempos sem medo,
A vida faz arremedo,
Do tempo que já perdi...

Não sei dessas temporadas,
Que a criança guardou,
No tempo que era d’amor,
Agora são massacradas,
Bandas da vida, guinadas,
Nas grinaldas me lancei,
Tanto tempo eu já passei,
Mas não me deixaste em paz,
Tanto tempo fui capaz,
De tentar o que não sei...

Versos trago sem tempo ter,
Tempo tenho pra sonhar,
Temporais para chegar,
Onde teimo me entreter,
Saberia sem saber.
Não vivo sem temporais,
Quero muito e tento mais,
Não sossego com tão pouco,
Tampouco gritando rouco,
Tempo, preciso demais...

Na curva da temporada,
Que passei lá nas Gerais,
Tempo templo até me traz,
O que julguei emperrada,
A sorte já vai danada,
A morte é mote sem fim,
Quero tempo para, enfim,
Firmar o meu pensamento,
Que transforma todo vento,
Tempo que pedi pra mim...

Meus cadernos tão antigos,
Me perco nas espirais,
Num jazigo, aonde jaz,
Os meus sonhos são castigos,
Tempo me aponta os perigos,
Curvando nesse meu lago,
Onde meu tempo eu afago,
Onde não tenho porque,
Quero já ver e vencer,
O meu tempo anda tão vago...

Teimoso sei não caço,
Rãs perdidas no brejo,
Amores lá d’Além Tejo,
Nas vilas perdi meu laço,
Vencendo enfim, meu cansaço,
Quero fazer o meu canto,
Trazendo com tempo encanto,
Nos vales quero profundos,
O melhor de tantos mundos,
Teve tempo pro meu pranto...

Um desejo trem gigante,
Que na vida tem tempero,
Fazer amor com esmero,
Pela vida radiante,
Estando só por instante,
Nos braços da minha amada,
Passando essa temporada,
Deixando o tempo prá trás,
Meu tempo de não ter paz,
Procurando nova estrada...

Tempo de ser mais feliz,
Tempo de ter esperança.
Tempo de ser tão criança.
Tempo que o tempo não diz,
Tempo de ser aprendiz...
Tempo de não ter mais medo,
Tempo de guardar segredo,
Tempo de se ter saudades,
Tempo de dizer verdades.
Tempo que faz meu enredo...

Nesse mundo fugaz, meu maior vício

Nesse mundo fugaz, meu maior vício,
As minhas mãos descem marginais,
Te buscando na veia, quero mais...
És o princípio, desde meu início...

Amor que não se julga, sei fictício,,
Aquele de promessa do jamais,
Aquele que enfim, tanto fez e faz...
Não deixando restar nem mesmo indício...

Viciado, portanto, sem ter cura,
A mão divina deixa a mata escura.
Eu tenho essa criança dentro em mim...

Porém sem aconchego do carmim
Dos lábios que beijei, num sem ter fim...
A tua ausência, amada, me tortura...

Trovas - Temperos

Eu só quero seu tempero,
Misturado na panela.
Meu amor é verdadeiro,
Tanto amor tenho por ela...

Tem a delícia do sal,
No tempero do churrasco.
Bolinho de bacalhau,
Por essa moça eu me lasco...

O sabor de cheiro verde,
Temperando essa morena;
Depois deitado na rede,
Da saudade tenho pena...

Um maço de cebolinha
Temperou o nosso amor,
Depois ela vem, s’aninha,
Esquentando meu calor...

Da salsinha que tempera,
Dá sabor para a comida;
Coração batendo fera,
Temperando nossa vida...

Alho com beijo na boca,
Não combinam na verdade,
Amor al dente, faz louca,
Aquela tranqüilidade...

A cebola no meu bife,
Dá um gosto especial,
Não me chame de patife,
Esqueça esse carnaval...

Noz moscada é o seguinte,
A comida fica boa,
Tem mulher pra mais de vinte,
Tem menina e tem coroa...

Pimenta deixa arretada,
Qualquer comida baiana,
Meu amor, de madrugada,
É gostoso, se sacana...

Erva doce dá tempero,
Na broa fica um encanto.
Amorzim, me dá um chêro,
Senão vai rolar meu pranto...

Mostarda na minha pizza,
Naquela de quatro queijos.
Meu amor vê se m’atiça
Na delícia dos teus beijos...

Catchup tem seu gosto,
Por demais adocicado;
Me deixa beijar teu rosto,
Deixando, fico empolgado...

Um limão cai bem no peixe,
Dá um sabor delicado;
Meu amor nunca me deixe,
O resto deixa de lado...

Se quiser, coentro, te trago;
Ajuda no temperar,
Quero a paz desse teu lago,
Aprender, nele, nadar...

Pimenta do reino traz,
Sabor a mais no salame;
Meu amor vou ser capaz,.
De tudo desde que m’ame...

Se tempero enfim, faltou,
Perdão te peço, querida.
Tanto amor que temperou,
Temperando minha vida...

Quando a minha montanha de desejos

Quando a minha montanha de desejos,
Num momento infeliz, desmoronou;
Nada, a não ser entulho, me sobrou.
Como fora gentil saber teus beijos!

Mas dessa sinfonia, poucos arpejos,
Nem isso mais resta, tudo acabou!
Depois que tudo acaba, quem sou?
Procuro, perguntando aos realejos...

Morenos, os teus olhos, vão sem rastro;
Pergunto por teu colo d’alabastro,
A resposta, nem vento, sabe dar...

Quem dera Deus, pudesse te encontrar,
Mas nem o pó d’estrada, nem o ar,
Meu mundo vai perdido, sem seu astro...

Joao Polino - O mar é azul

O mar é azul, e isso ninguém pode negar. Acontece que, em Santa Martha, distante do mar e próximo da montanha, essa realidade traz fantasias maravilhosas sobre o tamanho, a cor e o sabor salgado da imensidão marinha...
João Polino ,meninote ainda, resolveu ir sozinho ao Rio de Janeiro. Coisa quase impossível àquela época, nos anos trinta. Estradas de terra sem nenhuma pavimentação, teria que ir a cavalo até Alegre e depois pegar um ônibus que o levaria à cidade Maravilhosa.
Mas nada é impossível quando os sonhos são grandes e a força de vontade maior ainda, e esse era o caso do nosso herói.
Num dia de domingo, nos idos de março, montou o seu cavalo, prometendo trazer a água do mar, pelo menos um cantil, para a sua amada irmã e quase mãe Oracina...
Dias longos e difíceis nas costas de um cavalo cansado e envelhecido, um verdadeiro rocim quixotesco, iam os dois, o jovem cavaleiro e o velho animal descendo a serra do Caparaó.
Dinheiro? Quase não levava, o bastante para pagar as passagens de ônibus entre Alegre e o Rio de Janeiro. Coragem muita, dono dos fantásticos e irresponsáveis dezesseis anos de idade.
A noite trazia as suas armadilhas e era melhor dormir, deitado sob a luz da lua e ouvindo a sinfonia de grilos, sapos e corujas. Claridade, somente a dos pirilampos que povoavam os sonhos do nosso amigo.
Passa-se o primeiro dia, o segundo e no terceiro dia da aventura, o imprevisível aconteceu. O cavalo, cansado da viagem, deitou-se e não mais se levantou.
O que fazer? Como poderia seguir adiante?
Para sua sorte, estava próximo de Alegre, deixara Celina para trás e a serra agora estava acabando, numa descida cheia de curvas e desesperanças...
Voltar atrás seria a decisão de qualquer um mas, quem disse que João Polino era qualquer um?
Herói que se preza não pode temer intempéries nem dificuldades e, promessa feita era para ser cumprida.
Faltavam poucos quilômetros para chegar em Alegre e isso era o bastante.
Mas, o dinheiro que levava não daria para a volta, já que teria que comprar ou, pelo menos, alugar um outro corcel.
A decisão cruel, embora a única possível, se apresentou. Teria que comprar um cavalo em Alegre e reiniciar a viagem, de volta...
Mas, pensamento rápido como o de João era raro e, teve uma brilhante idéia.
Água azul, mar azul, água salgada e mar salgado...
Oracina não perdia por esperar!
Numa vendinha no centro de Alegre, João resolveu os seus problemas.
Comprou um tablete de anil e um quilo de sal.
A água poderia ser do rio Norte mesmo, o cantil esperava a água marinha...
Não deu outra, três dias depois, Oracina tinha em suas mãos a mais legítima água azul e salgada do mar nas suas mãos...

Cordel - A minha sina - capítulo 6 - O Bosque Solidão

Passando essa confusão,
Vendo que tava lascado,
Um caminho disgramado;
Minha triste maldição,
O danado capetão,
Num ia deixar barato,
Nem correndo para o mato,
Nem correndo pra diabo,
Minha vida vai ter cabo,
Na beira desse regato...

Fugindo e correndo tanto,
Não queria nem assunto,
Prá terra dos tal pé junto,
Eu num quero virar santo,
Nem quero encontrar encanto,
Mas num tem como escapar,
Se o troço se complicar,
Como vou fazer nem sei,
Nessa confusão, entrei,
Vamos ver no que vai dar...

A terra tem muita liça,
Tem fome de dar com pau,
Cantando o pinica pau,
A coisa toda se enguiça.
Muita gente tem postiça,
A dentada de morder,
Eu juro que quero crer,
Em meu padinho de fé,
Vou correndo vou a pé,
Só num quero, então, morrer...

Nos braços de Jericó,
Vou montado num jerico,
Não tenho outro pro bico,
Minha vida é lida só,
Amargando qual jiló,
Não tem muito jeito não,
Procurando solução,
Fui procurar descanso,
Nas bandas doutro remanso,
Mas descanso é ilusão...

Chegando na mata agreste,
Correndo da assombração,
Desse tal de capetão,
Encontrei cabra da peste,
Que nem centavo que reste,
Valia para pagar,
Mas quem houvera encontrar,
Numa hora delicada,
Qualquer que seja essa enxada,
O que quero é capinar...

Companheiro Virgulino,
Casado lá com Marina,
Deixando da minha sina,
Me disse do desatino;
Te vira com teu destino,
Nessa nem posso falar,
Quem mandou se complicar,
Eu te dei o ajuntório,
Mas agora, no cartório,
Marina quer se casar...

A bichinha tá buchuda,
Num posso deixar de lado,
Você que é muito tarado,
Vai ter que buscar ajuda,
Na terra do Deus m’acuda,
Que fica por outra banda,
Nos reisados de Luanda,
Onde a curva faz o vento,
Nos grotões do esquecimento,
Onde Judas tem quitanda...

Eu montei no jumentinho,
Das asas fiz seu arreio,
Me empaturrei de centeio,
No meio desse caminho,
É só seguir direitinho
Que no final dá em nada,
A vida traz enxurrada,
É só se deixar levar,
Aprendendo a navegar,
Em barro e terra molhada...

Fiz caminho de três luas,
De galope e de pinote,
Encontrei um molecote,
Que me disse então das suas,
Seguindo por essas ruas,
Ladrilhadas de brilhantes,
Com pegadas de gigantes,
Para o meu amor passar,
No bosque vai encontrar,
Um anjo de diamantes...

Seguindo pela alameda,
Passando pelo matão,
Um anjo de coração,
Queimando na labareda,
Me mandou pela vereda,
Ponteada de luar,
Chegando a comemorar,
Cada alma que passava,
Pertinho, eu acho, que tava
Daquele bendito lugar...

Era a minha salvação,
Encontrar Deus me acuda,
Pra sair dessa rabuda,
Não tem outro jeito não,
É deixar meu coração,
Seguindo nessa procura,
Vasculhando noite escura,
Procurando pela sorte,
Prá fugir da minha morte,
Criando essa criatura...

Depois do tal Solidão,
Como se chama esse bosque,
Para que nunca se enrosque,
Travando o coração,
Anjo é famoso ladrão,
Tive que cair n’estrada,
A noite enluarada,
Ajudava no caminho,
Tenho que ir bem sozinho,
Senão não vai dar em nada...

Nem cheguei a dar dois passos,
Uma coisa me parou,
Meu coração caducou,
Não quis sair dos compassos,
Naquele anjo os abraços,
O coração quis trocar,
Não queria me deixar,
Seguir a minha viagem,
Pensei logo na bobagem,
Eu não podia esperar...

Deitado naquela rua,
Nas pedrinhas tão cheirosas,
Pareciam ser de rosas,
Uma linda mulher nua,
Me dizendo: sou sua,
Não podia resistir,
Como é que iria partir,
A vida estava marcada,
Pois, naquela madrugada,
Eu não podia sair...

Meu compadre Virgulino,
Já tinha me alertado,
Preu tomar muito cuidado,
Com tal bosque cristalino,
Esse anjo, de desatino,
Tinha feito muito estrago,
Coração deixava vago
Nem deixava respirar,
Matando bem devagar,
Sangrava fazendo afago...

Eu caí da montaria,
Abracei essa mulher,
Seja o que Deus quiser,
Pelo menos por um dia,
Vou deixar a fantasia,
Dos meus sonhos me levar,
E depois vou viajar,
Sem nunca mais ter paragem,
É preciso ter coragem,
Vou, então, me encorajar...

Um perfume diferente,
Chegou de leve, na boca,
Não posso dormir de toca,
Mas não há quem mais agüente,
Envolvendo toda gente,
Nesse tamanho desejo,
Naquela boca dar beijo,
É sentir que está no céu,
E depois tirar o véu,
Nessa peleja eu pelejo...

Mas nem beijava direito,
E depressa já sentia,
Uma ventania fria,
Uma dor dentro do peito,
Reparando bem direito,
O que parecia um anjo,
Como da viola o banjo,
Ficou coisa diferente,
Meu peito deu na corrente,
Como então, que eu me arranjo?

Uma risada safada,
Bem conhecida por mim,
Com aquela voz chinfrim,
Uma voz bem debochada,
Soltou uma gargalhada;
Foi, então que eu reparei,
Desde a hora que cheguei,
O bosque da Solidão,
Só queria o coração,
Depressa então, eu saquei,

No bornal que tava ali,
O meu punhal de dois gumes,
Acostumado em costumes
De sangrar ali e aqui,
Nesse mesmo instante vi,
O peito da desgraçada,
Aberto, na buracada,
Que aprendi a fazer,
E lá dentro eu vi bater,
O coração da danada!

Meti a mão num segundo,
Arranquei numa mãozada,
Do peito dessa safada,
E vazei correndo o mundo,
Deixei esse bosque imundo,
Sem ter pena nem ter dó,
Eu fui correndo mais só,
Do que nunca tinha feito,
Coração ranquei do peito,
Nessa estrada como pó...

Aquela risada esquisita
Depois me lembrei direito,
A danada tinha o jeito,
Da risada da maldita
Daquela vaca e cabrita
Da mulher do capetão,
Foi nesse momento então,
Que vazei no capinado,
Nunca mais voltar pros lado,
Do tal Bosque Solidão...

O frio traz Regina e chocolate

O frio traz Regina e chocolate,
Minhas mãos procurando por você,
Somente encontram vagos sem por que,
Esse frio aumentando, tudo abate...

Só queria saber, a vida late,
Desavisada a mente me faz crer,
Que nunca mais irei, ao menos, ter
Os carinhos que esquentam, nem chá mate,

Nem os lábios suaves de Regina.
Grávido dos desejos, abortados...
Queria, lhe procuro, pelos lados.

Sua mão que eu queria, mão divina,
Perdida nessa gélida matina,
Somente deixam sonhos congelados...

Música ao longe, canto tão suave;

Música ao longe, canto tão suave;
Noite perpetua-se mais tranqüila,
Nem os grilos entoam nessa vila;
A música distante , lá do vale,

Chega para os ouvidos, traz a chave
Que poderá afinal, fazer d’argila,
Aquela que pensei ser a pupila
Que me fará ver, luzes dessa nave

Que navegado a esmo, pensei morta...
A música atravessa a linha torta,
Deixando a solidão lado de fora...

Quem me dera pudesse crer outrora,
Nesse momento santo que s’aflora,
Música te trouxesse à minha porta...

Eu queria ser livre eternamente

Eu queria ser livre eternamente,
Livre do tédio dessa longa espera.
Livre para tentar uma nova era,
Livre como a criança que não mente,

Apenas sonha. Quero simples mente,
Sem as perguntas tantas, vida impera
Sobre essas vastidões, dúvida fera,
Eu quero a liberdade, simplesmente...

No marfim dessa lua que me cobre,
Não queria jamais ser o que sobre,
Nem perceber vergonha em tantos medos.

Queria conhecer tantos segredos,
Mas não me restariam nem meus dedos,
Ao olhar o teu rosto, d’ouro e cobre....

Minha certeza sofre com mentiras

Minha certeza sofre com mentiras,
Não quero mais colher tal dividendo
Quando o sonho de belo, fica horrendo
A vida sangra, passa toda em tiras...

Meu corpo ao chão, jogado, quando estiras,
Não sei mais se terei, nem bem pretendo...
Passarei a sentir meu mundo, lendo
No carrossel de lendas onde giras...

Nas legendas da sorte, fiz a rima,
Onde tentei poder jogar esgrima,
Com a tenda que cobre meu tesouro;

Meu moinho quebrando, trigo e ouro,
Na tentativa audaz, salvar meu couro,
Procuro a cura, tanta que redima...

Décimas - Falando minha verdade

Falando minha verdade,
Buscando novo cantar,
Procuro tanto teu mar,
Mares dessa saudade;
Reviver a liberdade...
Quero a boca que me nega;
Que nunca, jamais , sossega...
Quero tentar ter amor;
Desses prados sei a flor,
Flores que a lágrima rega...

Falta minha temporada,
A primavera da vida;
Onde não sei despedida,
Na mais feliz alvorada,
Por amores inundada...
Quero ser tua semana,
Uma esperança que emana
De cada novo cantar,
Horizontes por voar...
Minha luta mais temprana...

Turbilhão de sentimentos,
Não queria tempestade,
Mas tudo isso me invade,
Em todos novos momentos,
Tantos velhos tormentos...
A sombra do que já fui,
Nada mais tenho, se exclui
O que tive, o que passei;
Nos braços aonde errei,
Meu mundo se queda, rui...

Num silêncio vou solene,
Buscando por minha luz,
Carregando velha cruz,
Não há dor que não me empene;
Amor que sonhei perene.
Perante tanta vergonha,
Tudo de bom que se sonha,
Passa para pesadelo,
No frio que corta, gelo;
Restará só dor medonha...

Pus meu barco nesse rumo,
Sem leme, o barco virou;
Do nada que me restou,
A saudade dá seu prumo,
Minha vida virou grumo,
Recebi trato da morte,
Não quero ter essa sorte,
Nem quero mais solavanco,
Assisti tudo no banco,
Na arquibancada dei bote...

Fiz a casa desse barro,
Feito de sangue e pudim,
O que mais quero pra mim
É saber que, se me esbarro,
Nas tristezas qu’hoje varro,
Foi revés, mas eu reverto,
Minha dor vive em aperto,
Carteada do destino,
Se tem dor, logo me empino,
No final terei conserto...

Nas matas nos pinheirais,
Tudo que for machadada.
Tudo que suar enxada,
São coisas que pedem mais,
A violência que traz paz,
O corte dessa esperança,
A morte vem de criança,
Nos braços dessa parteira,
Sangrando essa terra inteira,
Engorda a pança se dança...

Desculpe tanta flechada,
Acenderei teu pavio,
Secarei esse teu rio,
Não terás mata fechada,
Não te restarás mais nada,
Nem sombra de natureza,
Quem sabe, sem ter beleza,
Sem ter água pra beber,
Poderá, pois, conceber,
Meu amor em tua mesa...

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Trago esse amor sentido sobre a mesa Quadras

Trago esse amor sentido sobre a mesa,
Degustas sem ter pena cada gota...
Minha alma foi pro fundo caiu rota,
Nem lágrima, restou por sobremesa...

Tentei permanecer qual vela acesa,
O vento e tempestade foram vis,
Nos dias em que,tolo,cri feliz,
Foram os de maior, grande tristeza...

Não quero mais saber de sina e sorte,
Nem procuro mais luzes onde cria,
Amor sem ter certezas, fantasia;
Fantasmas que perseguem e sei morte...

Não sinto medo, cálice sem vinho,
Nem trafego tão trôpego, vacilo.
Da morte foste lívido bacilo,
Meu Deus porque me deixas tão sozinho!?

Não haverá perguntas sem respostas,
Tampouco tenho lúdicas manhãs,
Acolho restos, fétidas e vãs,
A vida retalhada nessas postas...

Cheguei a crer, estúpido que eu era,
Que foste minha métrica, meus versos,
Agora sei, restou dos universos,
Um só poema, lúbrica quimera...

Minha certeza, vaga e tão serena,
Não poderia lírica e fatal,
Acreditar n’amor tão abissal,
Mas que mal se descuida, me envenena...

Das carteiras, cigarros são tragados,
Num sem sentido, nexo faz falta,
A dor me inclui vazio, nessa malta,
Quem dera não tivesse abandonado...

Meus versos são satânicos e cínicos

Meus versos são satânicos e cínicos,
Nas orgásmicas líricas promessas,
Meus olhos por ofício, sei, são clínicos.
Partilho teus cenários novas peças...

Das uvas feitas vinho passos mímicos,
Tremulam meus penhores sei que engessas,
Mimetizo fantasmas que sei tímicos,
Nos cântaros que pântanos, regressas.

Variólico cético sou pálido,
Métrico cadencio meu poema,
Metódico fiquei tal qual esquálido,

Etílico sabor, nova jurema,
Impávido, pavio sou inválido,
Nesses absurdos versos, sem ter tema...

Sim, nada mais sincero que teu não

Sim, nada mais sincero que teu não,
Aprendi que viver sem ter promessa,
É como conviver sem dor ou pressa,
Na falta de sentido e de razão...

Deixei as minhas sílabas em vão,
Passei por essa via tão expressa,
Desconhecendo ritmo que se meça
Na dança que começa no salão...

No sal da festa, fresta dessa porta,
A moça estreita a teta, nem me importa,
Queria ter a boca dessa noite;

Deixando minha marca num pernoite;
Mas corta lábio sábio, faz açoite;
De quem nunca queria ver tão morta...

Vencido pela noite e seu cansaço

Vencido pela noite e seu cansaço,
Procuro por sinais de tua vinda;
Teu cheiro ronda a casa. Se deslinda
Em cada canto a marca de teu laço...

Quem me dera dormir no teu regaço,
Sentindo teu perfume que me brinda
Com última esperança; ser ainda
Capaz de conquistar o teu abraço...

Mas, quando a noite some,eu tão sozinho,
Percebo que jamais voltas ao ninho...
Onde fomos felizes de verdade;

Mas bem sei, que querias liberdade,
Voaste, nunca mais, solta; a saudade
Será só minha, livre passarinho...

A noite que me trouxe teu olhar

A noite que me trouxe teu olhar,
Já partiu sem sequer dizer adeus,
Saudade fez adeus dos olhos meus,
Nunca mais poderei saber do mar...

Tua distância,amiga,fez chorar;
Quem sempre quis fugir de escuros breus,
Quem não acreditava, olhos ateus;
Pudesse um dia; cego, procurar,

Pelas vielas; luzes mais audazes,
Quem sempre deparou-se com mordazes
Pesadelos, buscando pela paz;

E agora, quando achava-se capaz,
Teus olhos, de partida, isso me traz
Meus medos, e meus braços incapazes...

Trovas e Contra trovas - Kathleen Mel e Marcos


Saudade, doce lembrança,
Que dói, remói mas não mata...
Da partida fica a data,
No olhar resta a esperança.

Kathleen Mel





Saudade traz calafrio,
No coração de quem ama...
Mesmo no calor, faz frio,
Mas o coração se inflama...

Marcos

Minha vida leva tempo Trovas

Minha vida leva tempo,
O tempo me leva a vida,
Tempo que tem contratempo,
Tenho o tempo da partida...

Espantas minha saudade,
Nesse copo de cachaça.
Amor fiel de verdade,
Me diga aonde se acha!

Vi a curva de Maria,
Restinga de Marambaia,
O vento bem que podia,
Levantar aquela saia...

Em Goiás tem a goiana,
Moça prendada e de fé;
Tem santa e também sacana,
Não pode ver bicho em pé...

Amazonas tem mulher,
Índia morena e mulata;
Seja lá o que Deus quiser,
Eu quero entrar nessa mata...

No Pará tem castanheira,
Tem menina bem bonita;
Quero ter a vida inteira,
Aquela do laço de fita...

Macapá no Amapá,
Tem mulher só de primeira;
Moça bela dá de pá,
Tão perfumada que cheira...

Maranhão foi minha sina,
Quando procurei amar;
Minha bela nordestina,
Tem o cheiro do luar...

No Piauí boi morreu,
E também dói a saudade.
Moça bonita, sou eu
Quem te pede caridade...

Rio Grande lá do Norte,
É a terra de Natal,
Menina que me deu sorte,
Sem você eu passo mal...

No Ceará, Fortaleza,
Encontrei um mulata,
Dona de grande beleza,
Tua fama me arrebata...

Paraíba mulher macho,
Mas bonita como quê,
Tudo que procuro eu acho,
Nesse mapa que é você...

Em Pernambuco, Recife;
A sorte grande, tirei.
Quem me dera ter cacife,
E, da morena, ser rei...

Maceió, nas Alagoas,
É terra que sinto falta;
Dessas mocinhas tão boas,
Uma baixa e outra alta...

No Acre tem Rio Branco,
Tem seringal que fascina;
Subindo nesse tamanco,
Como é boa essa menina...

Em Rondônia, me perdi,
Mas também me encontrei;
Nessa lourinha que vi,
Aprendi tudo que eu sei...

Roraima tem Boa Vista,
Não desisto de você.
Por mais que você resista,
A de amor, depois o bê...

Sergipana foi donzela,
Meu amor foi a pimenta;
Meu coração é só dela,
Faz calor, a gente esquenta...

Baiana, quebro o coqueiro,
Eu dou nó no pingo dágua;
Sem você, o mundo inteiro,
Vive cheinho de mágoa...

Mato Grosso, Cuiabá,
Terra quente sim senhor...
Tanta moça tem por lá,
E também tem meu amor...

Mato Grosso lá do Sul,
Faz a gente suspirar.
Nesse teu olhar azul,
Eu bem aprendi amar...

Em Brasília três poderes,
Três amores para amar.
Tanto quero teus quereres,
Teu querer quero encontrar...

Mineira troce decerto,
Muito ouro e muito brilho.
Olhando assim, bem de perto,
Em você perco meu trilho...

Capixaba de Vitória,
É moça bem envolvente.
Eu te guardo de memória,
Saudade matando a gente...

Carioca moreninha,
Lá n’asfalto ou na favela;
Quem dera; tu fosses minha,
E eu fosse todinho dela!

A paulista tem seu charme,
Elegante pra chuchu;
Não gosta de muito alarme,
Mesmo se for pra Daslu...

Paraná tem moça bela,
Alemoa italiana,
Tem branca, tem amarela,
O meu peito não se engana…

Barriga verde com fé,
Catarina faz estrago;
Vou de a gosto vou a pé,
Quero nadar nesse lago...

Gauchinha bem prendada,
Bem prendada a gauchinha;
Vem cá mulher mais amada,
Vem pra cá ó prenda minha...

Matemática e Cachaça

Josias era um homem trabalhador, honesto e fiel, muito fiel a Deus e a sua querida Joana. Moça bonita, uma morena exuberante, cerca de vinte anos mais jovem que Josias.
Em Santa Martha, Josias trabalhava como sapateiro, um artista famoso, procurado por vários clientes oriundos das redondezas e até da Cachoeiro..
Acontece que, de uns tempos para cá, a Igreja que Josias freqüentava começara a perceber que aquele antigo fiel tinha desaparecido.
Josias começara a beber, primeiramente sozinho e às escondidas, depois cada vez mais frequentemente e a cada dia com menos recato. Até que, um dia, apareceu no barzinho do Gilberto, ponto de encontro da meninada assaz namoradeira do distrito.
A sua estréia foi inesquecível; acabando com todo o estoque de fogo paulista que tinha no bar. Lá pelas quatro horas da manhã foi levado para casa. Totalmente embriagado.
A expulsão da Igreja foi sumária, principalmente depois do dia em que, além de dormir durante o culto dominical resolveu fazer da perna do pastor um urinol improvisado.
O escândalo tomou conta da comunidade, entre assustada e brincalhona.
Quem não gostou nada disso foi Joana, a bela morena se viu, da noite para o dia, vítima das mais indecorosas e maldosas piadas da comunidade.
Mas, a situação estava indo de mal para pior e, apesar de todas as orações, juras e promessas feitas para a salvação do nosso amigo, tudo estava como dantes no quartel de Abrantes, Josias Abrantes, que esse era o nome completo do nosso sapateiro.
As moças e os rapazes de Santa Martha já estavam sentindo a falta do nosso expoente na nobre arte da sapataria, agora as meia-solas e os consertos impossíveis teriam que ser feitos em outro lugar, para prejuízo dos bolsos e da qualidade dos serviços prestados.
Joana, no começo, ainda se manteve fiel ao nosso alcoólatra mas, como, na porta onde entra a miséria sai o amor; não resistiu por muito tempo...
Naquela época, o Governo do Espírito Santo estava contratando novos policiais e Maximiliano era um desses. Lotado em Santa Martha, tinha chegado a pouco tempo na pacata localidade.
João Polino foi o seu instrutor sobre as almas santamartenses mas, por causa de um descuido, se esqueceu de falar sobre Josias. Mas nem precisava, tal a insignificância do pobre cachaceiro...
Gilberto, com pena de Joana, passou a não vender mais bebida alcoólica para o sapateiro mas, nada disso adiantava. Bebia até álcool puro e, se bobeassem, esvaziaria tanque de combustível.
Na noite gélida daquele julho implacável, Maximiliano fazia a sua primeira ronda noturna quando, sem esperar, encontrou um cidadão tentando, de qualquer modo, acertar a chave na fechadura.
Ajudou-o a abrir a porta mas, por dever do ofício e por desconhecer aquele cidadão, perguntou se era ele mesmo que morava ali.
Diante da pergunta, Josias foi incisivo: “Claro que moro, entra comigo e você vai ver”.
Ao adentrar pela casa, Josias foi logo falando: “Tá vendo aquele cara deitado no sofá? É meu cunhado”.
“Vem cá comigo que eu vou te mostrar uma coisa: Aquela mulher deitada aqui no quarto é minha esposa, e aquele camarada deitado ao lado dela; sou eu”.
Ao que o guarda, sem mais nada a perguntar, se despediu e foi-se embora.
Josias deitou-se na cama e ao contar os pés, reparou que havia algo de estranho:
Um pé, dois pés, três, quatro, cinco, seis pés.
Epa! Tem gato nessa tuba! Mas depois, para se tranqüilizar, se levantou e foi até ao pé da cama e recontou: um, dois, três, quatro!
Dois da mulher e dois meus!
É, eu tenho que parar de beber mesmo!

Cordel - A minha sina - capítulo 5 - O Padre e o Sacristão

Depois de ter escapado,
Com ajuda do Saci,
No rolo que me meti,
Por causa de ter botado,
Na cabeça do safado,
Desse maldito diabo,
Uma dupla de quiabo,
Um par de chifre pontudo,
Ajuntando com o rabo,
Quase que nessa m’acabo...

Mas, me lembrei de repente,
Da promessa que bem fiz,
Escapei foi por um triz,
Desd’agora, minha gente,
Tudo ficou diferente,
Não mato mais vagabundo,
Vou ter que correr o mundo,
Que é sina que não escapo,
Partindo noutro sopapo,
Ficando bem sossegado,
É melhor cuidar de gado,
Ou então viver de papo...

Acontece que Marina,
A mulher de Virgulino,
Percebeu logo, deu tino,
Era coisa cristalina,
Pra que eu mude dessa sina,
Era preciso por certo,
Ficar sempre bem desperto,
Senão fazia besteira,
Vou mudar da bandalheira,
Viver um viver correto...

Sabendo que precisava,
Um padre de coroinha,
A moça bem safadinha,
Disse que ali eu achava,
Contadinho como fava,
Um novo rumo pra vida,
Era coisa divertida,
E também mais sem perigo.
Agora; disse, é contigo,
Vai procurar essa lida...

Sacristão foi, na verdade,
Minha nova profissão,
Devida de coração,
Deixei tudo na saudade,
A vida sem crueldade,
Um caso pra se pensar,
Levando a vida a rezar,
Sem ter contrariedade
Os homem dessa cidade,
Não vão ter que reclamar...

Batendo o sino de tarde,
De manhã e de noitinha,
A vida bem de mansinha,
Sem ter mais nenhum alarde
Levando a vida covarde,
Mas com certeza da cura,
Sem ter mais nem noite escura,
Nem buraco adonde eu caia,
Sem preparar nem tocaia,
Vida sem ter amargura...

Passa dia mês e ano,
A lida no mesmo pé,
Sou companheiro da fé.
Vivo a vida sem engano,
Deixando todos meus plano,
Seguindo sem covardia,
Finjo que nunca queria,
Que tivesse mais encrenca,
Tanta beata de penca,
Mas nenhuma merecia...

Acontece que, de noite,
Perto dessa sacristia,
Vez em quando eu ouvia,
Um barulho qual açoite,
E resolvi, de pernoite,
Trabalhar, fazer serão,
Que tremenda confusão,
Eu houvera de escutar,
Parecia complicar,
A minha imaginação...

Saia com saia é fogo,
Duas saias se levanta,
Uma delas era santa,
Outra entrando nesse jogo,
Não adianta nem rogo;
Tá armada essa quizumba,
Preparei a catacumba,
Dessa não vou escapar,
Quando parei preu olhar,
Vi, defrente a minha tumba...

Apois bem, bem reparando,
Uma saia tinha pinto,
Meio branco meio tinto,
O pinto já tava entrando,
Bem devagar, cavucando,
Outra saia bem no fundo,
Nesse buraco profundo,
Nem que todo mundo caia,
Balançando a samambaia,
Quase que se acaba o mundo...

Reparando no saiote,
O outro tinha outra sina,
Não era saia, batina,
Do padre dando pinote,
Remexendo num só xote,
Num tremendo só xotão,
Na tremenda confusão,
A moça num reparei,
Bem quietinho eu voltei,
Silêncio de sacristão...

Nas noites das sextas feiras,
Quando a lua se enchia,
A mesma cena vadia,
As mesmas coisas besteiras,
Eram useiras vezeiras...
Depois dessa temporada,
Passei a num crer em nada,
Também queria trepar,
Não importando o luar,
Nem dia nem madrugada...

Uma das beatas novas,
Mola de muito colchão,
Tinha grande coração
Não precisava mais provas,
De santo fez muitas covas,
Mas não quero santidade,
Estando na flor da idade
Queria era safadeza,
E com essa tal pureza,
Treterice de verdade...

Na sacristia, meu canto,
A moça fez o serviço,
Não deu nenhum enguiço,
Que eu também não era santo,
Rezava, orava entretanto,
De noite sentava pó,
Nunca me sentia só,
A beata não falhava,
Toda noite ela me dava,
Eu queria o fiofó...

A moça num reclamava,
Serviço era de primeira,
Nos mato, na barranceira,
Que gostoso que chupava,
De mansinho o pau entrava,
Fazia estrago com fé,
De lado, banda ou de pé,
Da maneira que pudesse,
Bem do jeito que quisesse,
Só num deixava de ré...

E por mais que prometesse,
Que pedisse pra beata,
Naquele ata não ata,
Não deixava que metesse,
Nem tampouco que mexesse...
Mas, depois de tanta reza,
Beata que não se preza,
Não pode mais resistir,
Se, agora, quisesse vir,
Deixava, mas sem reveza!

A danada abriu tudinho,
Arreganhando essa bunda,
É nela que tudo afunda,
Passei a mão com carinho,
Fui botando com jeitinho;
Mas de repente gritou,
Doeu não doeu, chegou,
Era o padre que chegava,
E bem logo me avistava,
Nessa hora tudo brochou!

Me chamando de safado,
Botou a moça pra fora,
To ferrado, disse agora,
Chamei o padre de lado,
E falei ter encontrado,
Ele com a mão na massa,
Depressa perdeu a graça,
Me pediu que eu me calasse,
Que pra ninguém eu contasse,
Que seria uma desgraça!

Prometi, ficar bem quieto,
Não contar para ninguém,
Se calasse ele também,
Que, naquele mesmo teto,
Mulher que entrou saiu reto,
Não precisava ter medo,
Tava guardado o segredo,
O safado então pediu,
A beata que ele viu,
Botasse somente um dedo...

Me falou de troca troca,
Ele me emprestava a sua,
Desde que deixasse nua,
A minha para a minhoca
Entrar de leve na toca...
Falei o troço tá feito,
Assim fica bem direito,
Faça assim como quiser,
Mas pergunte pra mulher
Se ela topa esse malfeito...

Depois de muita conversa,
Ele c’a dele eu c’a minha
Combinamo na noitinha,
Dessa vez sem muita pressa,
Nessa reza que confessa,
A gente ia ter festança,
De comida enche a pança,
Festa nessa noite inteira,
Na próxima sexta feira,
Tava feita tal lambança...

Sexta feira tá chegada,
Lua cheia lá no céu,
Vamos fazer escarcéu,
A noite não vale nada,
Vamos varar madrugada,
Numa boa da suruba,
Quando um entra, outro entuba,
Na beata ponho fé,
Mas também não fico a pé,
Na do padre, pego a juba...

Quando começou a liça,
Reparei meio de banda,
Agora é que se desanda,
Senti cheiro de carniça
Minha vida agora enguiça.
Tô ferrado, Deus me livre,
Das desgraças que já tive,
Nas quebradas dessa vida,
Essa era uma das fedida,
Um gemido não contive...

Ao ver que quem me abraçava,
Coisa que a gente repara,
Quando olhei pra aquela cara,
Vi que a coisa se lascava,
Ferradim agora estava...
A mulher que eu ia ter,
Quando deu-se a conhecer,
Tô fudido nessa peta,
Era a mulher do capeta,
Falta me reconhecer!

A danada então me viu,
E lembrou daquela briga,
Que era coisa bem antiga,
Um sorriso então abriu,
Fui pra puta que pariu,
Com os óio esbugaiado,
No mundo desarvorado,
Corri sem olha prá trás,
A pilantra veio atrás,
Me xingando de viado...

Agora essa minha lida,
Não tem mais nem solução,
O danado capetão,
Chifrudo e fulo da vida,
Por causa dessa bandida,
Não vai me dar mais sossego,
Nem se eu lhe pedir arrego
Não me deixa mais em paz,
E brigar com Satanás,
É não ter mais aconchego...

Bela lua, princesa de cristal

Bela lua, princesa de cristal,
Nos teus braços, tenho o delirante
Sonho de me saber um ser gigante,
Lua, que se fez nova, maioral,

Quando cobres as trevas dess’astral,
Tu és tão envolvente e radiante,
Quedo-me tão silente só, diante
De teu belo luar, descomunal...

Lua, tua distância tão amiga,
Não me permite, nunca mais, consiga;
Na eternidade louca de teu brilho,

Quem me dera saber onde teu filho,
Esse cometa errante que, sem trilho,
Vagueia numa busca tão antiga...

Descansando nos braços da morena

Descansando nos braços da morena,
Eu me lembro da loura que deixei.
Mulata, eu gostaria de ser rei,
Beijando essa boquinha tão pequena...

Amor, quando é demais, logo envenena.
A campina que passo e que passei,
Muitas vezes sem rumo, desviei;
A saudade, de longe inda m’acena...

Quero tanto perguntas sem resposta,
No fundo, todo mundo sempre aposta,
Num amor que era pouco e se acabou...

Mas não quero saber se estou ou vou,
Nem sequer me interessa o que passou...
Eu quero, tão somente, a quem se gosta...

A roupa espalhada pelo chão

A roupa espalhada pelo chão,
Me dá, simplesmente, essa certeza;
De quem me prometeu a realeza,
Devora o vagabundo coração...

Teus passos insensíveis no porão,
As marcas desmentindo uma princesa;
As manchas sanguinárias sobre a mesa,
Demonstram-me verdades da lição

Aprendida na noite que vieste...
Que por mais que se pense no cipreste,
Que por maior que seja seu tamanho,

E por menor que seja, tão tacanho,
O mais rasteiro mato, que eu apanho,
O amor só vale o quanto que se investe...

Bêbado de saudades de você

Bêbado de saudades de você,
Nas madrugadas, fugas e senzala,
Buscando esse perfume pela sala,
O perfume que trouxe, sem querer,

A lembrança do tempo de viver,
Onde estava mil vezes numa gala
Me sentia feliz, minha alma embala,
Mas agora procuro em vão, cadê?

Aprendi com você, felicidade,
É possível viver na claridade.
Foi meu melhor tempo nessa vida,

Mas, bem cedo senti que, despedida,
É palavra cruel, mesmo sentida,
Em pleno amanhecer da mocidade..

Não que me seja assim, muito crível

Não que me seja assim, muito crível,
Mas quem me dera tento com teu laço;
Vivendo desse amor onde embaraço;
O sabor da vitória é impossível...

E chega de tentar subir um nível,
Quando nada farei sem ter cansaço...
O mundo que pensei sem teu abraço,
De tão triste, seria incompatível...

Quero a lembrança límpida e gentil,
De todos os carinhos, sou sutil.
Mergulho nos teus seios, boca aberta;

Esperando, talvez, por esse alerta;
Que nunca mais virá, festa repleta,
Dos desejos mais loucos, meu ardil...

As loas que cantei para você

As loas que cantei para você,
Não foram, simplesmente, as que eu queria.
A noite transformada num quase dia,
Remetendo a alegria, ao meu sofrer...

Nunca foste verdades nem por que,
Mas a quis como nunca mais teria,
Esse calado peito sem Maria,
No mais completo verbo do querer...

Minha palavra tenta ser mais pura,
A vida não consegue mais brandura.
Seu endereço serve de morada,

Para quem já tentou, não deu em nada;
Para quem pensou nova mão pousada
Nas costas da mulher, quadro e moldura...

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Trovas Nas ondas do rio mar

Nas ondas do rio mar,
Na cachoeira do santo;
Maria, quero casar;
Saudade traz o seu manto.

Vi nascendo meu amor,
Nos braços do bem querer;
Não me deixe, por favor,
Sem você posso morrer...

Quero o gosto da Maria,
Na boca que Deus me deu;
Meia noite meio dia,
Quem gosta dela sou eu!

Vi carranca no Nordeste,
Em Minas eu vi também;
Eta amor cabra da peste,
Chorando por outro alguém...

Minha vida fez enganos,
Enganei, ela, também.
A vida trouxe seus planos,
Coração tamanho trem...

Beija flor que cria ninho,
Nas asas do seu amor;
Beijando amor vou sozinho,
No fundo nem beijo a flor...

Quis fazer uma trovinha,
Com a cara da Maria;
Difícil fazer covinha,
Meu amor eu não sabia...

Ritinha tem um buquê
De rosas e margaridas,
Meu amor, eu sem você,
Só conheço as despedidas...

Na beira daquele lago,
Tem um canto diferente
Cigarro quando não trago,
Estraga a vida da gente...

Bola que bateu na trave,
Depois entrou gritei gol,
Do coração não sei chave,
Passarinho que voou...

Eu recebi a resposta
Pra carta que lhe mandei,
Eu já perdi essa aposta,
Não tem rainha nem rei...

Trovas são como recados,
Em quatro versos sentidos,
Olhando bem para os lados,
Meu amor, não dê ouvidos...

Vim de terra diferente,
As moças não têm segredo;
Quando o povo tá doente,
O doutor foge de medo...

Nas dentes dessa engrenagem,
Os meus dentes eu perdi,
Vivo fazendo bobagem,
Só por isso, estou aqui...

Vento traz a tempestade,
Raio, relampo e trovão,
Meu amor, que crueldade,
Maltrata meu coração...

Deu coceira no meu pé,
Achei que estava doente,
Não foi nada, foi chulé,
De seu amor, era crente...

Na reza que tanto reza,
Não fala mais em Senhor,
Coração quando se preza,
Dispara forte n’amor...

Fiz um verso bem moderno,
O molde esqueci depois,
Parecendo com meu terno,
Tira cem coloca dois...

Encerrando essa sessão,
De versos bem mal rimados.
Atravesso meu perdão,
Com suor dos desgraçados...

Cantas nos bastidores dessa vida

Cantas nos bastidores dessa vida,
A voz cansada estraga toda a festa.
Muito do que já fomos, pela fresta;
Da janela se perde mais vencida...

Não quebro meu pendão nem vem parida,
A morte que queimava essa floresta;
Tentei fazer sertões, mas nada resta,
Procuro por senões, cadê guarida?

Nas folhas do caderno teu sinal,
As horas que sangramos no jornal;
Serviram de estocada dessa faca.

Não consigo voar, tudo me estaca,
Caminhando serei, sangue e cloaca.
Não quero ser rei, lúbrico sal...

Pernas estão cansadas dessa lida

Pernas estão cansadas dessa lida;
Estrada que percorro não dá mais,
Quisera estar vazio, mas demais,
Não temo nem chegada nem partida...

Vasculho nas gavetas Margarida,
Encontro simplesmente esses boçais
Escritos que fizeste nos jornais,
Dizendo que querias despedida...

No meu cabelo sinto tuas presas,
E no pescoço, tento ser mordaz,
Passando pelos olhos, sinto, tesas.

Servindo coca cola se és capaz,
Mexendo nas entranhas correnteza,
Aperta suavemente essa tenaz...

Quero momento, sentimento e esmo

Quero momento, sentimento e esmo;
Na mesma forma, fornalha e fogo;
No jogo em riste, lanças e dardos...
Meus fardos são falsos e falidos...
Tento intento novo e revisto,
Me desvio e cio, vicio e previsto,
Visto quê, jamais poderei errei e suo...
Sou o que soa, absurdo e vôo, tenaz...
Audaz atroz atriz atrás de tantas quantas
Fossem as possíveis peças...
Me peças nada adia adora, a hora agora...
Me deixo ser seixo, a gueixa se esvai...
Vãos da porta, morta a solidão, dão créditos...
Méritos e atritos, detritos sou mito, minto...
Tinto meu sangue, mangue, zona e ozônio,
Axônio e Estônia, estranho como um trino,
Lá trino e latino, um átimo um último, hino...
Meus olhos, teus óleos, girassol, giramundo...
Vagabundo, sou seu sal, seu céu, véu e ventania...
Visto meus tafetás meus confetes e tapetes...
Visto que fosse um começo de brisa,
A vida me avisa, vista a lua;
Deixe-a nua,
A rua
Lá...

Salmo 8

Puseste Tua glória nos Teus céus,
Tua força, ordenaste nos infantes,
Para calar inimigos, bem antes,
Lua e estrelas preparas, lindo véu.

Homem, simples mortal, mas o visitas;
E sempre se recorda do rebento.
Quase tal qual um anjo, solto ao vento,
Nos fizeste, dando-nos as pepitas,

Ovelhas, bois, campestres animais;
Aves do céu, os peixes desse mar,
Sobre todas as coisas, dominar...
Por isso; meus irmãos, a Deus, louvais...

Tua beleza, caminhando livre

Tua beleza, caminhando livre
Na sala, flutuando a cada passo;
Qual fosse garça, graças no cansaço;
Que, por ser sonhador, eu tanto tive...

As minhas noites, tudo, enfim, revive,
Na delícia sutil; sem embaraço,
Vou seguindo-te manso, traço a traço;
Desenhas, mal percebes, um declive.

O murmúrio da brisa, da sacada
Pressinto teu suave, éter, respiro.
No momento seguinte, me retiro;

Procuro então, sentir-te, em vão, deliro.
O teu andar sereno, esvai-se em nada;
És fátua, visão na madrugada...

Salmo 7

Confio em ti, Senhor! Do que persegue
Me livre, não permita que minh’alma
Seja despedaçada sem que a calma
Da liberdade, seja enfim, entregue...

Mas se perversidade ,em minhas mãos,
Tomar lugar, permita que m’alcance
O inimigo e reduza, num só lance,
Toda glória e respeito dos irmãos!

Pois tenha fim malícia dos impuros,
O meu Senhor, escudo, me proteja
Daquele que, somente, me deseja
O mal, tuas espadas sobr’os duros,

Quem não se converter, já tem armado,
Espada, arco, mortais, bem afiadas...
Na cova que cavaste, verás, marcadas,
As vidas que escolheram, o lado errado...

Su’obra cairá sobr’a cabeça,
Retos de coração serão os salvos;
Entretanto dos ímpios, Farás alvos,
Louvemos Meu Senhor, que eu O mereça...

Gilberto e a Apendicite

Na sua adolescência Gilberto era um poço de saúde. Menino criado com vitaminas preparadas por Dona Rita e na base de muita fruta pega nos quintais de Santa Martha, às custas de alguns sustos e um ou outro tiro de sal na bunda, crescia à olhos vistos..
As costas largas cultivadas nos banhos de rio, demonstravam um exemplo claro de que vida livre, com exercícios físicos e boa alimentação fazem, realmente, um efeito maravilhoso...
Mas, num dia quase fatídico, amanheceu com uma dor na barriga. A dorzinha que, de início, era fraquinha, foi se intensificando.
A princípio dona Rita achou que as lombrigas estariam fazendo uma festinha no abdômen do rapaz mas, como as gotas de elixir paregórico não tiveram o efeito esperado, começou a se preocupar.
Em pouco tempo, Beto se contorcia de dores, gemendo e gritando, desesperadamente.
Como Santa Martha não tinha médico e, muito menos, hospital, a solução era levar o pobrezinho para Ibitirama, onde há um posto de atendimento, bem equipado por sinal.
O médico plantonista era um tal de Doutor Marcos Valério, um ortopedista que começara a trabalhar ali há pouco tempo.
Ao ver o rapaz se contorcendo e gemendo, ao apalpar a barriga, percebeu que o quadro merecia uma atenção especial.
A apendicite aguda era uma hipótese que não poderia ser descartada.
Como o laboratório era de difícil acesso, e não conseguia vaga para transferir o pobre rapaz, mandou verificar as temperaturas anal e axilar.
A diferença dessas temperaturas, muitas vezes, demonstra a possibilidade de apendicite ou de processo infeccioso naquela região.
O resultado tinha sido inconclusivo, então mandou pegar uma veia do paciente, colocar um soro e observar.
Passadas duas horas, com a piora do quadro, mandou reavaliar as temperaturas para constatar se tinha havido alguma mudança.
Nada, o resultado tinha sido igual ao anterior. A vaga não aparecia e Beto, entre manhoso e dolorido, parecia um bezerro desmamado, gritando e esperneando a todo momento.
Depois de um outro período, nova averiguação, também inconclusiva...
Nesse meio tempo, começou uma tempestade daquelas que só acontecem nos contos e nas histórias...
A chuva desabando, raios e trovões espocando a cada momento.
Gilberto, por sua vez, gritando e gemendo.
Temperatura vai, temperatura vem...
Tudo correndo desta maneira até que, para desespero de todos, aconteceu o pior.
A noite se aproximara e a luz, não resistindo às intempéries do tempo, acabou.
Sala do repouso lotada, a enfermeira não teve alternativa; acendeu uma vela.
Beto, no desespero da dor, ao ver aquela luz bruxuleante se aproximando e escaldado de tanto termômetro pra cá, termômetro pra lá, não titubeou:
-Tudo bem, mas apaga isso primeiro!

Castanha do castanheiro Trovas

Castanha do castanheiro,
E do pinheiro, o pinhão...
Amor, pra ser verdadeiro,
Não precisa de perdão...

Recebi tanta coragem,
Desde o dia que nasci;
Amor foi minha bobagem,
Nos teus braços me perdi...

Andréa tem, com certeza,
Um olhar amendoado;
Quando mira, traz beleza,
É a flor do meu cerrado...

Menina pensa direito,
Não me faça covardia.
Amor que bate no peito,
Via batendo todo dia...

Recebi o teu recado,
Te respondo nos meus versos;
Amor é jogo marcado,
Então procuro os ingressos...

Bate sino da matriz,
Anuncia o casamento.
Noivo seguindo feliz,
Noiva n’arrependimento...

Me restam poucas lembranças,
Memória é coisa que trai;
Brincavam duas crianças,
Saudade, no vento, vai...

Um dia, simplesmente, foi embora

Um dia, simplesmente, foi embora,
Deixando tão somente teu retrato;
Lágrima denuncia: faltou tato,
Até minha viola, tudo chora...

Quem me dera poder estar agora,
Ao lado de quem fora meu regato,
De quem me foi servida, fino prato;
Apenas solidão, triste, vigora...

Como és bela, Lili, minha sonata;
Abrindo a madrugada, a serenata,
Traduz o que senti, restou sequer

Um retrato, maltrato de mulher,
Esquecido, jogado; um bem me quer,
Guardado na moldura, toda em prata...

Meu barco, navegante sem destino

Meu barco, navegante sem destino,
Errando pelos vários oceanos...
Piratas dos amores meus enganos,
Vagando nos meus sonhos de menino.

Recebo teus chamados, bato o sino,
Desmancho minha vida sem ter planos,
Meus dias são resgates dos meus anos,
Nas mãos de minha morte, desatino...

Revendo toda sorte de naufrágios,
Eu tenho me cobrado, tantos ágios.
Venero tuas rédeas, sou corcel;

Procuro meu futuro no teu céu,
A boca azeda medra sem ter mel,
Meu caminho vai pleno d’apanágios...

Meu barco, navegante sem destino

Meu barco, navegante sem destino,
Errando pelos vários oceanos...
Piratas dos amores meus enganos,
Vagando nos meus sonhos de menino.

Recebo teus chamados, bato o sino,
Desmancho minha vida sem ter planos,
Meus dias são resgates dos meus anos,
Nas mãos de minha morte, desatino...

Revendo toda sorte de naufrágios,
Eu tenho me cobrado, tantos ágios.
Venero tuas rédeas, sou corcel;

Procuro meu futuro no teu céu,
A boca azeda medra sem ter mel,
Meu caminho vai pleno d’apanágios...

Trazendo a mão cansada do plantio

Trazendo a mão cansada do plantio,
Buscando na cachaça, seu consolo,
Muitas vezes achando que foi tolo,
Como é difícil; terra tem seu cio...

O chão pesado, pernas no vazio,
Compressora essa vida, traz seu rolo,
No final sobrará, velório e bolo.
De tudo que restou, nem mais um pio...

Lavrando a terra, chuvas trazem festa;
Semente brota, cobrem toda fresta
Do solo mais gentil, por vezes, fera...

Nas mãos cansadas, tanta vida gera,
Dos seus olhos distantes, a cratera
Dessa desesperança é o que, enfim, resta...

No que fui, valentia foi piada

No que fui, valentia foi piada,
Tive sorrisos, faço minhas contas.
Foram precisos, minhas iras tontas;
Nada passou de nada, simples nada...

Agora invento minha madrugada,
Estrelas adormecem, suas pontas
Nunca mais chegariam; nem apontas
Mais seus olhos;certeiras tais flechadas...

Mandarim sem mistérios, por sinal,
Minha fúria contida, carnaval...
Eu masco minha vida, faço planos...

Mas bem mais sutilmente, passam anos.
Tramas e desenredos são enganos.
Nada mais levarei, resta o final...

Tenho tantas vertigens; dói joelho

Tenho tantas vertigens; dói joelho,
Pernas andam cansadas e pesadas.
Meus olhos estão bem vermelhos,
A vida vai passando, temporadas...

Minhas mãos doloridas, cada artelho
Trazendo seus sinais, cartas marcadas;
As rugas companheiras deste espelho,
Demonstram intempéries das jornadas...

Tudo envelhece, sinto, o tempo corta;
A cada dia, sigo devagar.
Essa distância, tanta vida morta,

Procuro convencer-me, procurar
O diabo que está atrás da porta;
Mas nada encontrarei, serei meu par...

Cordel - A minha sina - capítulo 4 - No dia em que o Diabo criou chifre

Depois de ter conhecido,
O neto de Lampião,
Lenda viva do sertão,
E tendo me convencido
Que nada mais é perdido;
Fiz pro moço, uma proposta,
Coisa de gente que gosta,
Ir pelo sertão afora,
Sem ter dia mês e hora;
Mas partiu, nem deu resposta...

Sozinho pelas estradas,
No meio de tanta areia,
Procurando pela teia,
Seguindo novas pegadas,
Esperando outras jornadas.
Homem valente de fato,
Encontrei uns três ou quatro,
Mas não queria de sócio
A vida precisa d’ócio,
Pescando nesse regato.

Acontece que sujeito
Que vive dessa maneira,
Pulando da barranceira,
Não pode ver um mal feito,
Acha que tá no direito,
De se meter em rabuda,
Não pode ver da miúda
Que entra em nova enrascada,
Saindo de madrugada,
Atrás de moça taluda...

Joaquim me deu pousada,
Pros lado do Patrocínio,
Falou num tal vaticínio,
Coisa das muito enrolada,
Botei meu pé, nova estrada,
E parti bem de mansinho,
Levando meus bagulhinho,
Guardados no meu bornal,
Quarta feira, carnaval,
Ia de novo sozinho...

Nessa mesma quarta feira,
Que é de cinzas pode crer
Montado num zabelê
Filho duma égua estradeira,
Pru móde ser mais ligeira,
Que eu precisava chegar,
Determinado lugar,
Na curva do Zebedeu,
E lá mesmo é que se deu
Isso que eu vou lhe contar...

Chegando nessa serrinha,
Que é lugar bem diferente,
Um monte de gente crente,
Disse que toda tardinha,
Avoa umas avezinha
Fazendo gesto indecente,
Mas é coisa de veneta,
Imagina, coça as teta,
Dando banana pro povo,
Os cabra mexe nos ovo,
Que isso é coisa do capeta!

Fui pagando para ver,
No que essa história daria,
Subindo na ventania,
Sem ter medo nem por que,
Esse trem vou resolver.
Num tem nem mais precisão,
De fazer sua oração,
Sou um cabra penitente,
Num tenho medo de gente,
Que dirá d’assombração!

O lugar era bonito,
Tinha cor do meu tiê
No meu velho metiê
Nunca tive tanto grito,
De mulher vaca e cabrito,
Zoando feito vespeiro,
Até fiquei mei besteiro,
Mas não arredei meu pé,
Chegando com pontapé,
Entrei nesse pardieiro.

No meio da confusão,
Reparei numa bobagem,
Reparei na sacanagem
Que não tinha nem perdão,
Um tremendo mocetão,
Tava toda machucada,
A bunda toda lanhada,
Riscada com um chicote,
Mesma hora dei o bote,
Levando a destemperada...

Moça bonita e dengosa,
Tinha os olhos rabichados,
Os lábios grossos, inchados,
Um perfume igual a rosa,
Eta bichinha gostosa!
Eu, na hora pensei nela,
Arretada matusquela,
Banquete prum homem só,
Nem pensei em ter mais dó,
Esqueci dessa esparela...

A moça num conseguia,
Falar na minha linguagem,
Mas pra quem quer sacanagem,
Era de pouca valia,
Entender o que dizia,
Não preciso nem falar,
Comecei a cutucar,
A moça de pouco a pouco
O troço deixando louco
Vontade de não parar...

Que boca boa, eu beijava,
A minha mão bem safada,
Fazia sua jornada,
Enquanto ela delirava,
Sua blusa eu abaixava,
As tetas todas macias,
Minhas mãos eram vadias,
Chegavam nas suas coxas,
As florizinhas mais roxas,
Não tinham tais serventias...

A perna da moça aberta,
Esperando pela clava,
Tanto gozo que se lava,
A danadinha era esperta,
Coisa boa que se flerta
Nunca se esquece mais não,
Deitei gostosa no chão.
Cavalguei essa danada,
Minha vida desgraçada,
Parecia ter perdão...

Tanto gosto, tanta festa,
Depressa a noite chegou
Quem gozou não reparou
Uma porrada na testa,
Uma pancada indigesta,
Acabei desacordado,
Quando vi, tava danado,
No meio desse barraco
Que recendia a sovaco,
Misturado com meleca
Reparei nessa boneca,
Mas sentindo do meu saco...

Num canto, tava amarrado,
Pelo saco sim senhor,
Por isso senti a dor,
Um calor desesperado
Tô frito, talvez assado,
Eu pensei por um segundo,
Nessa merda eu me afundo,
Não vai sobrar nem pentelho,
Vi um cabra de vermelho,
Mais feio que o tal Raimundo...

A morte não tinha pressa,
Fiz promessa de jurar,
Que nunca mais vou matar,
A minha mão Deus engessa,
Atadura nem compressa,
Precisa mais ter valor,
Nunca mais um matador,
Nunca mais um sanguinário,
Se meu Deus me der contrário,
Prometo agir com amor...

Apois bem, nem compensava
A morte via de perto,
Nem podia ser esperto,
O troço se complicava,
O moço os olhos injetava,
Com brabeza sem igual,
Meu último carnaval,
Era fava mais contada,
Toda tristeza instalada
Morto naquele arraial...

Uma voz de touro bravo,
Foi berrada neste instante,
Com três metro o tal gigante,
Me disse: em teu sangue lavo
Tu não serves nem pra escravo,
Depois dessa que aprontou,
Essa mulher que pegou,
Fez safadeza de fato,
Fez dela gato e sapato,
Pro chão, você arrastou...

Essa dona é melindrosa,
Com ela não bole não,
Ela é minha tentação,
Do jardim é minha rosa,
Eu sei que ela é bem fogosa,
Já lhe dei muita pancada,
Mas bem sei que a desgraçada,
É chegada em aprontar,
Qualquer um que for chegar,
A vadia é bem chegada...

Mas nunca tinha me dado,
Tanto trabalho afinal
Nesse fim de carnaval,
Parece ter despertado,
O que tem de mais tarado,
As pernas não sossegou
Depressa ela se entregou
A um vagabundo sem eira,
Depois de tanta besteira,
Um par de chifre botou...

A minha cabeça lisa,
Tá ficando encaroçada,
Por causa da disgramada,
Que tanta lição precisa,
Em teus bagos se batiza,
Não vai sobrar mais nada,
Nem sombra dessa safada,
Nem de você seu matuto,
Agora cansei, fiquei puto
Essa conversa fiada!

O trem estava fedendo,
Eu não vi mais solução,
Amarrado no culhão,
O calor já tava ardendo,
Eu pensei: já ‘to morrendo,
Num tem outro jeito não,
Pedi a Deus seu perdão,
E rezei com muita fé,
Mas, de repente, num pé
De vento uma solução...

Quando senti ventania,
Olhei de beira pro lado,
O troço tava arretado,
Meu Bom Deus me protegia,
Apesar das covardia
Que tanto fiz por aí,
Nesse momento eu senti,
Que meu Pai não me deixara,
Nesse vento que ventara,
Surgiu, do nada, o Saci...

Junto com o Pererê
Tava amigo Virgulino,
Que em todo esse desatino,
Nunca iria se esquecer
Dum amigo pra valer,
Companheiro do perneta,
Um tocador de trombeta,
Um arcanjo lá do céu,
Que no meio desse escarcéu,
Deu porrada no capeta!

Trazia de tira colo,
Aquela santa menina,
Ela mesmo, a tal Marina,
Por pouco que eu não me enrolo,
Vendo nesse mesmo solo,
O trio que me salvara,
Tomar vergonha na cara
E parar de safadeza,
Me perdendo nas beleza,
Vou parar com essa tara...

domingo, 27 de agosto de 2006

A paz

Meu caminho seguindo pela vida,
Transcorrendo gentil e tão risonho;
E mal contendo, luzes em meu sonho...
Recebendo o calor na despedida.

Em todos teus respiros, ó querida;
Muitas vezes deparo, tão medonho
Quanto cruel, deixando-me tristonho...
Por tantas vezes, foste já vencida...

Morrer por ti, me sinto até capaz;
Quanta delícia, amiga, o vento traz...
Nas tuas mãos, tão alvas quanto belas,

Quisera Deus, poder tê-las singelas,
Na ternura do cais, saveiros, velas...
Companheira possível, és a PAZ...

Planeta Azul

A primeira vez nua, em nosso espaço;
Que tão distante, longe sem embaço,
Te desnudaste inteira, Terra amiga,
Cantávamos felizes, u’a cantiga...

Eras muito mais bela; nenhum traço
Desenhara-te linda assim; Picasso,
Nem Da Vinci, nenhum deles; me diga
Quem pudera pensar que a Terra antiga,

De beleza gentil e inesperada,
Fosse roubar teus olhos, minha amada;
Pois tão sedenta andava só de luz;

Assim, mal percebendo o triste blues,
Num momento de glória, apaixonada,
A Terra, qual teus olhos, tão azuis...

Conhaque

Confusão decidida num segundo.
E vamos recordar o que foi fado.
Não deixes, na parede, esse recado.
Senão eu não prossigo nesse mundo...

Profusão do que tanto sei profundo,
Na maresia quero ser salgado.
Valentia e maré trazem pescado,
Mundo redondo, mundo tão rotundo...

Marionete, sinto, sou movido;
Na sensação, dever que foi cumprido...
Minha emoção, cadência sem poema.

E se fosse sertão, seria emblema;
Mas nada mais será, a vida rema.
Conhaque me deixando, comovido...

Gauche na vida

Quando meu nascimento aconteceu,
Houve silêncios, vagos murmurinhos;
Jogado ao canto, lerdos passarinhos,
Fingiam nem cantar, entristeceu...

Em tal momento obscuro, tanto breu,
Coloriu minhas ruas, meus caminhos;
E negra solidão, somos vizinhos...
Nascido esse moleque, mundo ateu...

A morte preparou a despedida,
Enfim não resistiu, foi vencida...
Ludibriei a sorte mais safada.

De tudo me restou, bem pouco ou nada.
A voz desafinou, descompassada...
Como a profetizar: gauche na vida!


Em Homenagem a Carlos, outro gauche na vida...

Nada mais

Batucando meu samba sem compasso,
Vou vivendo sem passo e sem poema;
O que demais que a vida nunca teima.
É, da morte, sentir medo e cagaço...

Sinto-me, tantas vezes, um palhaço;
Perdido vagabundo sem ter lema;
Não quero clara, quero ponto, um trema.
Na fonte fiz, farei; mas nunca faço...

Na sordidez leal que tu me tinhas,
Amor que era bem pouco, parcas linhas.
Vestido tirolês: comenta leite...

Não quero nem inglês, talvez azeite;
Nem estou procurando quem aceite,
Fazer de todo canto, essas vizinhas...

Teus seios, doces seios, tão macios...

Teus seios, doces seios, tão macios...
Quem dera poder neles me perder;
Eu saberia então o que é viver!
Quisera conhecer teus vários rios...

Nas coxas que deflagram mais vadios,
Orgasmos são procuras, quero ter;
Delicioso campo do prazer.
Quem dera misturar os nossos cios!

Penetrando com calma, devagar,
Essa estrada tão bela lembra o mar;
N’umidade gentil; teu belo sexo.

Venceria, feliz, o meu complexo,
Viveria contigo: seu anexo...
Explodindo os dois juntos num gozar!

O meu tempero é tua boca amarga

O meu tempero é tua boca amarga;
Meus dentes, tentativas de mordida.
Não quero mais sangrar a despedida,
Nem quero sentir tudo qu’alma embarga...

Minha carta, postada, tudo alarga;
Só meu desejo, nunca mais traz vida,
Minha vida, fecunda e bem curtida;
Não suporta, nos ombros, essa carga...

Disseste-me verdades incompletas,
Navegante perdido, tão sem metas.
Meu rumo, sem ter prumo nem ter rima.

Faz de tudo, machuca a auto-estima,
Finges doçura, falsa não és lima.
Estradas curvas, mesmo nessas retas...

Ninguém acertou na mosca

Final de campeonato, jogo entre Pedra Roxa e Santa Martha. Estádio lotado!
Na arquibancada, estavam sentados Dadinho e Gilberto quando, ao perguntar as horas para um sujeito que estava sentado na carreira atrás, tiveram uma surpresa no mínimo agradável.
Zezinha Muriçoca, uma das mais belas e desejadas garotas de Pedra Roxa estava sentada dois degraus acima.
Sentada e usando uma minissaia extremamente convidativa e reveladora.
Reveladora não era a palavra correta, já que tal visão gerara uma dúvida atroz.
Gilberto que tinha se aposentado precocemente no futebol, depois dos episódios já descritos sobre a confusão dos bombons e do apelido, não titubeou.
Afirmou peremptoriamente que a deliciosa moçoila estava usando uma calcinha preta.
No que foi, imediatamente, desmentido por Dadinho. Calcinha preta que nada, estava era mesmo sem calcinha!
Calcinha preta pra cá, sem calcinha prá lá, a discussão estava esquentando.
Até que resolveram apostar, aposta entre irmãos, coisa de dez reais, por aí.
Para que não houvesse mentiras e isso Beto não admitia, amigo incondicional da verdade que era, decidiram pedir ajuda a Pedro Gambá, a essas alturas um abstêmio totalmente confiável.
Pedro, imediatamente aceitou a missão “delicada”.
Iria chegar até bem perto de Zezinha Muriçoca e decidiria a questão.
O jogo tinha começado e todo o público estava empolgado com a atuação do time de Santa Martha, todos, exceto Zezinha que estava preocupada com o time de Pedra Roxa, além de Gilberto e Dadinho, mais preocupados com as calçolas da garota.
Pedro Gambá estava demorando e Dadinho, desconfiado, solicitou que alguém fosse chamá-lo.
Quando foi encontrado, olhar fixo entre as pernas da incauta moça, pediu um instante e que iria descer em seguida.
Dez minutos depois, eis que surge o juiz da partida entre Gilberto e Dadinho.
Ansiosos com o final da contenda, perguntaram em solilóquio ao famoso Pedro Gambá.
-E aí? Quem ganhou?
Pedro, para surpresa de todos, deu um veredicto inusitado e inesperado.
-É, para falar a verdade, deu empate!
-Como? Empate?
-Não é calcinha preta e nem ela está sem calcinha...
Aquilo que vocês viram, é MOSCA...

O Cãozinho

Menina muito esperta, Ritinha tinha um defeito; a curiosidade em excesso cria situações inauditas.
Oracina, sua irmã adorava cães e gatos; e os tivera às dezenas; se não fosse João Polino, aquela casa em Santa Martha teria se transformado num verdadeiro asilo de cães abandonados.
Acontece que um deles, o Plutão, era o xodó de Oracina.
Muitas vezes brigara com seus irmãos por causa daquele cãozinho.
Realmente o bicho era bonito, todo negro e com uma pequena mancha branca próximo aos olhos, dando uma sensação de uma bela máscara de carnaval; Joãozinho, muito sacana tinha colocado o apelido de Máscara Branca no animalzinho, em homenagem à famosa marchinha de carnaval muito tocada na época.
Plutão resistira a todas as tentativas de expulsão que João Polino efetuara.
Vira-latas sim, mas com classe e beleza. Manso até onde podia chegar, Plutão era o companheiro mais constante de Oracina.
Quando saia quer fosse de noite ou de dia, Plutão a acompanhava, fiel e companheiro.
Ritinha, crescendo junto com o animal, pois eram praticamente da mesma idade, tivera por ele um afeto quase que fraternal.
Adorava brincar com o animalzinho o que, muitas vezes, causara ciúmes em dona Rita e mesmo em Oracina.
Numa tarde, lá pelos idos de 1979, deu-se uma enorme confusão na casa.
Corre-corre e latidos misturados com desespero. O pobre animal corria feito louco pela casa a fora, sem que ninguém entendesse por que.
Oracina, com medo de que seu bibelozinho estivesse doente e, pior, fosse necessário sacrificá-lo, entrou em pânico.
Nisso, com a cara mais lavada do mundo, Ritinha adentra a sala, esclarecedora:
-O que houve, pergunta Oracina à sua irmã caçula.
A resposta veio rápida e com toda a simplicidade que somente a infância traz.
-Sabe o que foi? Pergunta, já respondendo Ritinha.
Sabe a cachorrinha da vizinha, a Lulu?
-Sim, responde Oracina, assustada.
-Pois é, o Plutão machucou a patinha da frente.
-E daí?
-Daí a Lulu, ficou com peninha dele e deu uma carona, amarrada nele igual aquele recoque que puxou o carro do tio José outro dia. (reboque queria dizer a ingênua criança)
- Tá bom e o quê que você fez, pestinha?
Perguntou Oracina já irritada com a caçula.
-Daí eu fiz uma coisa errada, e é por isso que ele ficou com raiva de mim...
-Fala, peste, o que você fez?
-Ah, Cicina, eu cortei a cordinha...

Gilberto e o Peixe estranho...

Pescaria boa, somente nos meses que têm a letra R: de setembro a abril, quando está mais quente e os peixes ficam mais espertos.
Pescar no inverno é quase certeza de bornal vazio. Menos para Gilberto, o nosso grande pescador!
A isca não importa, muito menos a vara, ele pesca até sem anzol!
E isso causou espanto em todos os pescadores de Santa Martha, acostumados à pesca menos exitosa, felizes com os poucos bagres, mariazinhas, cambevas e outros peixes noturnos...
Acontece que, naquele dia de inverno; inverno santamartense que, para quem não conhece é de um frio cortante e inesquecível, ainda mais se embalado com a garoazinha chamada de “nublina” pelo povo da região, Gilberto se animou a ir pescar.
Dona Rita quis impedir, mas sabia que seria em vão, Gilberto era de uma teimosia asinina!
Preparativos feitos, Betinho partiu rumo ao delicioso hábito da pesca.
Noite fria e garoenta, os ossos tiritando e as mãos congeladas...
A pescaria ia, como sempre, num marasmo gostoso e, se não fossem os pernilongos e muriçocas, dava até vontade de dormir...
Quando, de repente, a vara enverga com força. Gilberto, numa luta hercúlea, depois de três horas, conseguiu finalmente retirar o peixe do rio.
Peixe estranho, meio cor de rosa, com um nariz diferente, sem escamas.
Beto, desconhecendo o peixe, mas satisfeito com a pescaria, resolveu se dar por satisfeito e mal esperava para mostrar a todos aquela espécie diferente que tinha conseguido pescar.
Ao chegar em casa, lá pelas três horas da manhã, foi se deitar e sem incomodar ninguém, temendo as broncas de Ritinha e de Seu João Polino, foi para a cama, sem ao menos se lavar; trocando de roupa silenciosamente e às escuras.
O peixe fora deixado, estrategicamente, próximo à sua cama, numa bacia bem grande, onde mal cabia o graúdo.
O sol ia nascendo quando Beto ouviu um barulho estranho.
Como se tivesse caído uma panela ou coisa assim.
Espantado, procura pelo peixe e nada.
Procura daqui, procura dali, cadê o peixe, meu Deus.
Algum moleque safado tinha entrado pela janela e roubado o seu peixe estranho. Agora não poderia mais contar para ninguém sobre o que tinha acontecido, sob pena de ser chamado de mentiroso.
E, mentiroso, era coisa que não admitiria, tudo menos mentiroso.
É claro que podia, como todo bom pescador, podia até exagerar um pouco; mas mentira era coisa proibida no seu vocabulário.
De repente ouviu um barulho que parecia vir de cima, com um rabo de olho deu uma guinada e, para sua surpresa, viu o inacreditável.
Um jovem nu, inteiramente nu, em cima do seu guarda roupa.
Ah, Beto ficou furioso, como é que podia ter entrado um sujeito e ainda mais pelado, no seu quarto.
Como iria se explicar ao povo de Santa Martha? Logo ele, tão machista e metido a paquerador!
Um homem bonito, deveras muito bonito, peladinho de tudo, nuinho da silva...
Beto, reparando com mais cuidado, percebeu que na boca do rapaz havia um corte, um profundo corte, que perfurava sua bochecha...
É, por pouco não tivemos o primeiro filho do boto de Santa Martha...

Gilberto, O Pescador

Gilberto era o maior pescador de Santa Martha, e disso ninguém pode duvidar.
Um dia, a sua sobrinha Alessandra veio passear, em visita aos seus avós, Seu João Polino e dona Rita . Betinho convidou-a para irem pescar no rio Norte, que atravessava a pequena e convidativa Ibitirama.
Alessandra e seu pai, Joãozinho ficaram muito animados com o convite e fizeram todos os preparativos necessários.
No dia marcado para a aventura, fizeram uma massa especial que consistia num misto de ração, com farinha de trigo e queijo. Prepararam duas varas com molinete e partiram para a margem do rio, junto com o nosso herói.
Surpreendentemente, Gilberto não levava nada a não ser um desses caniços de bambuí muito usados pelos sertanejos para a pesca de lambaris e de acarás.
No meio do caminho, o rio fazia uma curva muito fechada e Joãozinho, que passara sua infância naquelas redondezas não reconheceu tal curva.
Lembrava-se que havia um pé de ingazeiro aonde ia, muitas vezes, se deliciar com os ingás que ajudavam passar o tempo.
Pois bem , o pé de ingá tinha desaparecido e no seu lugar, o rio descrevia aquela estranha curva.
Como o poeta dizia que queria ter seu coração enterrado na curva do rio, João logo associou a curva a uma sensação agradável e comunicou a Gilberto como havia mudado a geografia daquele braço do Itapemirim.
Gilberto, sem pestanejar, foi desfiando seu rosário de histórias sobre pescaria.
A curva daquele rio tinha uma explicação, no mínimo inusitada.
Num dia de dezembro, o calor estava escaldante e a pescaria monótona não trazia nada além de lambaris e de pequenas acarás sem graça.
Mas, a vara de bambuí, num instante se envergou com toda a força.
Gilberto, agarrou-se com toda a força possível e impossível àquela vara e tentou, embalde, retirar o peixe.
Vendo que a situação era um tanto quanto complicada e aproveitando-se de que um cavaleiro, por coincidência, João Polino, passava por ali, teve uma idéia brilhante.
Pedindo a Seu João que apeasse, Gilberto amarrou a vara nas patas traseiras do cavalo e solicitou que esse fosse estimulado a tracionar
Tentando retirar o peixe.
Vara amarrada no cavalo, cavalo tentando sair, poeira levantando e nada de se retirar o peixe.
Nesse momento, passa um lavrador muito amigo de Gilberto e de João Polino e, ao ver a situação, teve a idéia de amarrar uma corda no seu fusca e tentar puxar.
Fusca amarrado no cavalo, cavalo amarrado na vara, fumaça nos pneus e nada do peixe sair.
Beto estava ficando desesperado mas, ao se lembrar que ali morava o seu Benedito e que esse tinha um jipe, solicitou ao mesmo que ajudasse.
Jipe amarrado no fusca, fusca amarrado ao cavalo, cavalo preso na vara e nada!
O peixe deveria pesar, por baixo, mais de quinhentos quilos, para poder agüentar tal tranco e nem se mexer!
A situação já estava passando dos limites quando o Seu Benedito recordou-se de que tinha um caminhão estacionado na venda do Paulão, vizinho de propriedade e fornecedor de todas as horas.
Paulão, ao ver a situação não titubeou; com uma corrente de ferro amarrou o caminhão no jipe, jipe preso no fusca, fusca preso no cavalo, cavalo na vara e o peixe teimosamente nem se movia...
A turma já ia desistindo quando surgiu a presença de Mário.
Funcionário da prefeitura, estava patrolando as estradas de terra do município, e ao ver tal fato inusitado, cedeu a patrol para a tentativa de se retirar o peixe.
Patrol atada no caminhão, caminhão preso no fusca, fusca preso no cavalo, cavalo na vara e, mesmo assim, nem se movia...
Alessandra já irritada com a história resolveu dar um basta e perguntou definitiva:
-E aí Gilberto, o quê que aconteceu afinal?
Gilberto calmamente, respondeu: -Ué! Você não queria saber porque que apareceu essa curva?
Entortamos o rio mas não tiramos o peixe....

Trovas

Minha perna machucada,
Arranhou o meu amor;
Amor de carta marcada
Traz essa marca da dor...

Sangra peito de mansinho,
Cupido foi quem flechou;
Passarinho faz seu ninho,
Meu ninho se aninhou...

Boca do sapo colei,
Esparadrapo da avó.
Meu amor eu amarrei,
Me deu pena, me deu dó...

Vaso trincado não cola,
E se cola não remenda.
Amor por mais que m’acenda,
Ela nunca me deu bola...

Pitando meu cachimbão,
Na choça e no meu roçado;
Um homem apaixonado,
Maltrata seu coração!

São remendos da saudade,
As coisas que quero crer;
Procurei felicidade,
O que encontrei? Só você!

No fumo trago fumaça,
Na fumaça meu cigarro;
Na boca trago a cachaça,
Da vida, tirando sarro...

Na noite servi um copo,
No dia fiz a batida;
O que vier eu já topo,
Amor e paz nessa vida...

Rosa brota da roseira,
Tomateiro dá tomate;
Manga vem da mangueira,
Meu amor não me maltrate...

Cheiro verde e cebolinha,
São temperos sim senhor;
Amor e Mariazinha,
Juntando já nasce flor...

Peixe traz uma minhoca,
Nessa boca quem pescou.
Amor batido e paçoca,
Tanto bate que quebrou...

Resta minha magricela,
Nela ponho minha fé;
É melhor andar com ela,
Do que ir embora, a pé...

Minha cama foi montada,
Meu colchão feito de palha.
Quando vem a madrugada,
Só saudades m’atrapalha...

Saca-rolha o porco tem,
E também tem a tomada.
Meu amor, vou sem ninguém,
Como dói a madrugada...

Dois bicudos não se beijam,
Mas se mordem sim senhor;
Das mordidas não se queixam,
Inda mais se for d’amor...

Bate bumbo na bandinha,
Na bandinha bate manso.
Vem amor, vem de bandinha;
Sua banda assim, alcanço...

Bebi água cristalina,
Na fonte desse riacho;
Amor por essa menina,
Como dói esse diacho...

Vaso ruim tá quebrado,
Procurei então colar;
Meu amor desesperado,
Não pode mais esperar...

Meu livro deixei aberto,
Na página que procuro;
Quando meu amor tá perto,
Fico cego, tudo escuro...