domingo, 23 de julho de 2006

Assombrações

Seu moço, tome cuidado
Ao caminhar no sertão,
Tem tanto bicho arretado,
Tem tanta da assombração
Que te peço, devagar,
Ande com muita atenção
Prá móde não encontrar,
Lobisomem ou papão.

Me contam, e eu acredito,
Que nas luas das mais cheias
Se você ouvir um grito
Lá pros lados de Candeias,
Pode sair de mansinho,
Que o negócio fica feio,
Vai vazando de fininho,
Senão, de ti, sobra meio...

Outra coisa que me falam,
Nisso tudo ponho fé,
Essas coisas me abalam
Tremo da cabeça ao pé,
Vento nas folhas da mata,
É coisa feia de vê,
De repente, a gente engata
Com o tal do Pererê.

Mas assombração pior
É a que vem da carabina,
Que vai matando sem dó,
Nada detém a assassina...
Pega a gente de tocaia,
A bala vem lá do céu,
Por todo canto que saia,
A mando do coronel.

Não adianta nem chorar,
Nem pedir por caridade,
Quando a ordem é de matar,
Nada impede essa verdade,
Não adianta floreio
Nem adianta fardunço
Quando a morte vem por meio
Desses cabra, dos jagunço.

Tanta gente já morreu,
Na luta por sua terra,
Pois que não seja mais eu,
Que o bom cabrito não berra,
Nessa luta desigual,
A gente vira bandido
Pro povo da capital,
Invertendo os ‘contecido.


Quando vejo no jornal,
Falar que nós tam’ errado
Fico passando até mal
Esse povo anda enganado.
Nós só queremos, Doutor,
Um bocadinho de chão,
Terra de Nosso Senhor,
Um pouco desse sertão.

De sangue foi adubado,
Nascendo revolução,
Pois se não dá outro arado,
Nem brota outra plantação,
Só queria ter decência
Uma vida mais humana
Venho pedindo clemência
Nós num somos safardana.

Somos gente mais sofrida
Em busca de solução,
Dignidade na vida,
Garantindo nosso chão,
Seu doutor, pois me desculpe
Eu não quero lhe irritar,
Mas, por favor não me culpe
É grande o nosso lutar.

Desde pequeno sofrido,
Sem esperança de vida,
Do nosso canto banido,
Nossa esperança perdida,
A bala roçando a nuca,
A fome comendo a pança,
A morte sempre cavuca,
Desde os tempo de criança.

Quando a gente vai, reclama
Nós somos os baderneiro
Mas a nossa velha chama,
Brilhando no candeeiro,
A tristeza que eu engulo,
Aqui nesse matagal,
Já inspirou seu Catulo,
Já iluminou seu Cabral.

O meu nome é Severino,
Sou das mata do nhambu,
Caminho desde menino,
Me chamam Jeca Tatu.
Tenho o Brasil no meu peito,
A esperança, companheira,
Ficaria satisfeito,
Alegria verdadeira,

Se vocês desse pra gente
Um restozinho de pão
Doutor pros nossos doente,
Pros filhos educação,
Prá plantar basta uma enxada,
Um pedacinho de chão,
A gente não quer mais nada,
Não quer dar amolação.

Prá lembrar pro povo crente,
Falo em nome dum judeu
Que curou tanto doente,
E que, na cruz, já morreu.
Pois bem esse carpinteiro,
Um pobre trabalhador,
Famoso no mundo inteiro,
Por disseminar amor,

Também vagava na terra,
Sem ter nenhum parador
Quando subia na serra,
Falava sem ter temor,
Os coronéis torturaram
Tinham medo da verdade,
E depois crucificaram,
Usando da crueldade.

Pois, se ele hoje voltasse
Pobre como sempre foi,
Eu duvido que escapasse
E, sangrado como um boi,
Pelos nossos coronéis,
Pelas bala e por navaia,
Amarrado pelos pés,
Vítima de uma tocaia...

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