OLHOS AZUIS.
Acordara
cedo, como sempre fazia desde há muito tempo, criado sozinho; desde os
tempos mais pueris da vida fora obrigado a trabalhar; primeiro com os
tios na roça, depois com o mesmo patrão que tinha sido do pai, falecido
no início dos primeiros passos, lembranças esquecidas dentro de uma
gaveta qualquer, há muito fechada.
Olhou
para o corpo estendido na cama, corpo de belas formas, da morena bonita
que conhecera e logo se apaixonara; casamento de 10 anos, quatro filhos
e poucas alegrias.
Reparou
bem no despertador, 5 horas, como sempre, mesmo nas férias não
conseguia acordar mais tarde, escravo de uma rotina cruel...
Naquele
momento pensou na noite anterior, noite longa e estranha, cheia de
fantasmas e pesadelos, o que ultimamente se tornara costumeiro, quase
diário, gritos e tumulto de gente correndo, coisa estranha...
Pacato
desde menino, “incapaz de fazer mal a uma mosca”, segundo comentava o
tio; tio que fora pai, num ato de amor sem cobranças, amor verdadeiro.
A
tia nem tanto, não gostava daquele menino melequento correndo pela
casa, bastava-lhe os três que a vida deu e ainda tinha que aturar esse
pestinha.
Ainda mais filho de quem, daquele mesmo que fora o primeiro, grande e único amor de sua vida; mas a irmã era mais bonita...
A peste do menino, a cada dia mais se parecia com o pai, tão diferente do seu marido, irmão do safado...
Aqueles olhos azuis do cunhado ficaram atormentando sua vida por longos anos, agora aquele moleque solto pela casa.
É provação divina, provação e provocação, como podia agüentar?
E a vida foi passando entre quintais e escola, brincar era difícil, só se a tia não estivesse em casa, a megera era terrível.
Proibindo
tudo, e trancando o menino dentro de casa como se fosse uma donzelinha
vigiada. Tia muito estranha, vez em quando observava os olhos dela sobre
os seus, descansados e desavisados.
Quando
fez quinze anos, sexo explodindo nas noites solitárias, no calor
queimando tudo, em pleno inverno, acordando numa febre, febre incontida,
desesperada...
E o prazer culpado, pecado, segundo a tia e o padre...
Um
dia, esquecera a porta aberta e, surpreendentemente quando olhou para o
lado viu uma sombra correndo pela casa afora, estranha sombra, que
adivinhava ser da tia, mas não podia garantir.
Aos dezessete conhecera Marta, morena maravilhosa, corpo perfeito, coxas duras e dentes alvos, radiantes.
O tio ficou muito contente, sobrinho trabalhador, morena bonita, casal perfeito.
A
tia calada, cada dia mais se trancafiava no quarto, menopausa falou o
doutor, o tio aceitou e, com paciência foi agüentando as crises cada vez
mais freqüentes da mulher; boa mulher, mas muito temperamental,
“problemas de nervo...”
O
primeiro filho chegara com o outono, casamento às pressas, Marta
grávida, barriga grande, estrias muitas, Marta estava diferente e os
dentes começaram a cair, pouco a pouco até não restar mais nenhum.
Menina
bonita que a gravidez modificara e trouxera um menino diferente,
doentio, fraco dos peitos, menino estranho que quase não chorava e, se
chorava era fraquinho, quase um gatinho miando.
Dois
anos depois, o segundo menino, forte, robusto, parecido com ele, dono
dos mesmos olhos azuis, quem sai aos seus não degenera...
Depois as duas meninas, gêmeas, bonitas e dengosas, Marta reeditada, mas com os olhos azuis, os mesmos olhos do avô e do pai.
A
esse tempo já se mudara para a cidade e trabalhando como pedreiro,
fizera certo sucesso e tinha sempre emprego, e Marta conseguira um
emprego como faxineira na escolinha perto de casa.
Vida
simples de gente simples na cidade simples, mas os sonhos estavam
deixando-o preocupados; sonhos repetidos e cada vez mais estranhos.
Aquele dia, então, os sonhos pareciam tão reais que era como se tivessem sidos verdadeiros.
O
estranho é que, reparara a algum tempo, quando se olhava nos sonhos
estava mais envelhecido, enrugado mesmo, como se tivesse passado muitos
anos, e havia uma sombra de uma mulher com o rosto esfumaçado e,
reparara num detalhe, uma coisa que chamara a atenção foi um anel que a
mulher usava na mão direita, algo assim como um anel, um anel sim... De
prata, com um desenho estranho, parecido com aquele que vira numa foto,
sobre o Egito, com o rosto de uma mulher...
Aquela
manhã; ao ver Marta deitada, com as coxas fortes e grossas exposta,
resíduo de um passado glorioso, mostrando que onde havia estrias e
flacidez, houvera uma cabocla desejável, pensou na vida passada e
agradeceu a Deus pelo que a vida lhe dera; uma mulher boa e companheira.
Achara que o sonho era com Marta, mas ao reparar bem viu que Marta era mais alta, mais cheia de corpo que a mulher do sonho.
Ao se preparar para tomar o café, foi interrompido por uma gritaria que vinha da porta.
Um moleque gritava a toda, arfando e chamando-o pelo nome.
Ao
abrir a porta, percebera que tinha se arranhado e fundo, não se
lembrara, mas o trabalho estava muito árduo e poderia ter se machucado,
sem perceber, isso vez em quando acontecia. No começo estranhara, mas
agora já estava acostumado.
O menino então disse ao que veio.
Sua
tia tinha morrido, amanhecera morta, e parece que seu tio é que tinha
matado a velha. Ela estava toda machucada, estropiada, mesmo.
Saiu correndo e fora ver o que tinha acontecido.
Ao
chegar à casa do tio se deparou um espetáculo dantesco; a porta
arrombada, a casa toda revirada com sangue para todos os lados.
Na sala, o corpo da tia todo cortado, cheio de equimoses, os olhos esbugalhados, saltando da órbita, uma cena terrível.
O
tio, preso algemado, gritando desesperado, negando tudo, porém as
marcas no seu rosto denunciavam que havia tido luta, uma luta
gigantesca.
- Não fui eu!! Não fui eu!!! Gritava o tio.
Falava
confuso sobre um assaltante ou coisa que o valha que tinha entrado na
casa, agredido a mulher e ele, ao defendê-la teria sido atingido pelo
homem que, encapuzado não deixava ver nada, a não ser os olhos,,
estranhos olhos azuis...
Um
detalhe passara despercebido de todos, inclusive do nosso herói; num
canto da sala, jogado no chão um anel, com a esfinge esculpida...
A partir daquela noite, coisa estranha, nunca mais teve aqueles pesadelos...
MARCOS LOURES
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