domingo, 23 de setembro de 2012

POR NÃO CRER NESSES FANTASMAS


POR NÃO CRER NESSES FANTASMAS

Por não crer nesses fantasmas
Que atrapalham nosso sono
Por não ver nesses miasmas
Nem acreditar em mono
Bichos de sete cabeças
Nem em trem desgovernado
Foi que tive nas travessas
Travessura vai formando,
Com esse mesmo alentado
Que me fez assim calado
Palavras poucas consumo
Não penetro nem no sumo
Das poucas que sei usar.
Nasci quase taciturno
Emburrado, sem sorriso,
Dos dias todo seu turno
Foi do meu tempo preciso
Percebo que sei de nada
De nada quase não sei
Minha vida vai estrada
Por tantas quantas passei
Fui da ponta dessa espada
No choro da carpideira
Fiz de toda sexta feira
Minha trama mais pecada.
Foi meu mundo minha escola
Das lições sei a primeira
Quem não luta não decola
Quem faz tanto nada faz
Quem quer mostrar ser capaz
Num precisa de recado
Nesse mundo meu pecado
Foi o de não certeza
Se serve tanta tristeza
Pra que que se reza tanto
Se não existe mais santo
Nem hora de precisão
Pra transformar em encanto
O que foi assombração.
Menino solto, liberto,
Sem ter nada nem por perto
Nem distante do meu peito
Que correndo, sempr’aberto,
Trazia por satisfeito
Cada trocado da vida
Num abraço de partida
Numa luz sem ter reflexo
Isso pode parecer
Que nada é tão mais complexo
Que não consigo entender
O resto dessa viagem
Vida seguindo, paragem.
Não podendo traduzir
Por onde mais querer ir
A não ser o recomeço
Do fosso que bem mereço
Do gosto podre do beijo
Da moça que não desejo
Mas beijo por precisão
De aliviar o meu peito
De transtornar satisfeito
O que dizem coração.
Fui crescido, de precoce,
Tantas foram as pancadas
Não permito que se coce
Essas carnes machucadas
Triste peleja da vida
Trazendo lá da partida
Um gosto de sangue em riste
A dor sendo o meu alpiste
Para que nada despiste
O Passarim sofredor
Que insiste e logo desiste
Pois não cultiva mais dor
Trafegando sem atino
Correndo feito menino
Nesse peito aparador
Acostumado a desmando
Sem entender o comando
Que destina o meu senhor
Único que conheci
Na minha sina estradeira
Por quanto que já vivi
Não tenho medo de esteira
Não sei mais tanta besteira
Pode conter meu amor.
Não tive dono nem guia
Minha vida minha trilha
Foi toda essa poesia
Feita de tanta Maria
Quantas pude ter de dia
Na minha boca safada
Que pior que minha enxada
Tanto solo desbravou
Num canto qualquer da mata
Na beleza que arrebata
Faz de todos um doutor
Nas sinas dessas meninas
Que por tanto sei, senhor,
São todas as minhas sinas
As bocas mais assassinas
Das que um homem já provou.
Criado sem asas, só,
Dum jeito sem sentir dó
Nos campos de cabrobó
Fui feito de muita lenha
Nas matas por onde embrenha
Os passos mais corajosos
Os trajes mais andrajosos
O peito guardando a senha.
Agora vou mais completo
Das dores já vou liberto
Sem mala medo sem cuia
Sem trama nem plenitude
Sem ter cabra que me ajude
Que disso não tem precisão
Nem tamoio, nem tapuia.
Nem trava no olho por certo
Vou seguindo meu deserto,
Sem querer nem companhia
Nada que me atrapalhe
Seguindo por valentia
Medo que me avacalhe
Transformando essa agonia
No sol desse novo dia
Que possa me dar alegria
A alegria dessa sorte
Da morte tenho alergia
Por isso sigo meu norte
Não há nada que me importe
A não ser minha batalha
Por esse canto qualquer
Onde possa, minha fé
Ter a força que agasalha
Fumando um cigarro palha
No corte dessa navalha
Que sangra na teimosia
Desse cabra mais inquieto
Que não teme por perto
Nem fantasma ou fantasia.
Quero trazer boa nova
Pro povo que me escutar
Venho sem lua nem trova
Chego só por eu chegar
Eu na mão trago essa rosa
Pra moça um dedo de prosa
Por causa d’uma sereia
Que transfundi nessa veia
Acendendo essa centeia
Que alumia o coração
Não quer saber de fastio
Vou vivendo meu estio
Como estivesse no cio
Carregando, mais vadio
O que não fora vazio
Meu peito sem serventia
Pra outra coisa qualquer
Quero acender o meu dia
Nos braços dessa guria
No cheiro dessa mulher
Que me deu a poesia
Agora não mais me quer
Que trago no meio dia
Da vida, sem valentia,
Comendo só de colher
A sopa amarga da vida
Que me deu a despedida
E vai hoje por qualquer
Coisa que seja capaz
De nunca olhar para trás
Nem vigor nem mansidão
Trazendo nessa amplidão
O brilho claro da lua
Iluminando essa rua
Por onde ela passará.
Tanto tempo sem falar
Falei tanto sem parar
Sem fazer descanso ao menos
Por isso pra terminar
Sem destilar os venenos
Que podia destilar;
Seguindo por esse rumo,
Buscando por meu aprumo
Procurando me encontrar
Vou terminar os meus versos
Já falei dos adversos
Já falei de diversão
Já mostrei meu coração
Já espantei esse frio
Debulhei todo esse mio
Já liguei fio por fio
Agora nada fazer
Senão olhar pra você
E nos seus olhos perder
De vez toda mocidade
Pois o fruto da saudade
Trouxe-me a firme verdade
Que não posso renegar
Minha lida é por saber
Que não consigo viver
Sem ter mulher para amar...

MARCOS LOURES

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