quinta-feira, 20 de março de 2008

EU TE AMO! COROA DE SONETOS 140

1947

O medo vai distante, se perdendo

Depois da derrocada uma bonança

Formada pelas mãos de uma aliança

A noite em novo dia se vertendo.

Embora te pareça algum remendo

Espero traduzir por esperança

O sonho de uma vida bem mais mansa.

Mas sinto que inda está; forte, chovendo...

O gosto mesmo amargo, ácido, azedo

Da boca que beijara desde cedo

Já torna suportável o dia-a-dia

Maçã do rosto, na romã dos seios

Converto a fantasia em outros veios

Roubando mesmo falsa, uma alegria...

1948

Roubando mesmo falsa, uma alegria,

Eu passo o tempo inteiro a me iludir

Do quanto venho em versos te pedir

A noite transformada em frágil dia.

Procuro nos teus lábios, poesia

E disso vejo o sonho a redimir.

Cevando o que jamais irei sentir

O medo pouco a pouco se recria.

Vem ver a vida que se perde aos poucos,

Olhares que se encontram, quase loucos

Não deixam que se pense em amanhã.

Amor que não se entrega e não se dá,

Decerto nem saudade nos trará.

No gozo inesquecível, nosso afã...

1949

No gozo inesquecível, nosso afã

Metaforicamente sou só teu.

O quanto tanto amor nos concedeu

Mergulho sem limites na manhã.

O gosto desejoso da maçã

No corpo que se entrega inteiro; ateu

Há tanto que meu medo já venceu

Que nada impedirá loucura sã;

Assanhas a vontade de poder

Chegar e mansamente converter

A noite em chama intensa, fogaréu.

Tomara que este tempo se eternize,

Amor quando demais nega um deslize

Supera uma amargura e trama o mel...

1950

Supera uma amargura e trama o mel

Intensamente o jogo desse amor.

Que pode mesmo sendo sedutor

Negar a cada dia o velho céu.

Andando tantas vezes sou revel

E nada poderá me recompor

Perdido no teu corpo, com vigor

A vida vai cumprindo o seu papel.

Apenas ilusão. Disso estou farto!

Ao mesmo tempo chego, vejo e parto

Não deixo mais pegadas pelo chão.

Lamento se não posso mais cantar

Nem mesmo debruçar de novo o mar,

Amor preconizando arribação...

1951

Amor preconizando arribação

Negando cada verso que eu fizer.

No corpo delicado da mulher,

A lua se transforma num bordão.

Benesses derramadas pelo chão

Trazendo pra este sonho um tom qualquer.

Não sei se tendo tudo o que se quer

Encontrarás perfeita solução.

Sonego o que talvez pareça prêmio.

Se na verdade eu sou quase um abstêmio

Inebriado eu fico com teu cheiro.

Morena ou coreana, a sorte grande

Mostrada mesmo em gozo que desande

Poeira levantando, vou inteiro...

1952

Poeira levantando, vou inteiro,

Atrás de uma alegria, vã, falsária.

Uma alma que pretende ser corsária

Trazendo um paraíso corriqueiro.

O gesto de carinho é lisonjeiro,

Mas manifestação só temporária

No quanto uma ilusão é temerária

Não posso ser mais franco e verdadeiro.

Jogando pra vencer, eu reconheço

A cada novo passo outro tropeço,

Amor não condizendo com verdade.

Depois do diamante que me deste

Do vidro que se quebra, simples teste

Mostrando ao fim de tudo, falsidade...

1953

Mostrando ao fim de tudo, falsidade

O tempo não trará nova notícia.

Talvez numa hora calma e mais propícia

A gente possa ter felicidade.

O barco noutra praia não invade

Nem deixa que preveja uma delícia

Nos olhos traiçoeiros, a malícia

Opacificará u’a claridade.

Nem tudo o que reluz traduz-se em ouro

Disfarço nesta busca por tesouro

Sabendo que ao final, nada me resta.

Beirando ao suicídio sigo em frente,

Às vezes vou cativo e penitente

No fundo, nosso amor, eu sei; não presta...

1954

No fundo, nosso amor, eu sei; não presta,

São tantas falcatruas que me espanto,

O quanto desejei em desencanto

Não deixa nem mais sombras na floresta.

A boca tão audaz restou modesta

A língua se escondeu em algum canto.

Parece que esse amor sofreu quebranto

Monotonia mata antiga festa.

Um dia há de chegar, mas não sei quando,

Que toda esta verdade se mostrando

Em pratos limpos sobre a nossa mesa

Sou réu confesso, assumo meus pecados,

Porém em meus desejos revogados

Espero ao fim da tarde uma surpresa...

1955

Espero ao fim da tarde uma surpresa

Em forma de carinho ou canivete.

O quanto uma esperança se repete

Não deixa que eu me sinta mera presa.

A lua que se deita e te embeleza

Ao mesmo tempo foge; vã vedete,

Amor que tantas vezes pinta o sete

Seguindo sempre contra a correnteza...

Desprezo o que não veio e nem viria

Jocosa maravilha cega o dia

E deixa o gosto amargo do não ser.

Eu beijo a boca aberta da ilusão

Sabendo deste amor, um vendilhão,

Mentindo toda noite em desprazer.

1956

Mentindo toda noite em desprazer

Eu tento me enganar, mas não consigo

O corpo que se fez amante e amigo

Por toda a minha vida hei de saber.

Quem dera novamente receber

O gosto delicado deste abrigo.

É tudo o que eu desejo, até persigo

Viver o que nos resta em bem querer...

Partiste em noite fria. Um temporal

Desabando as estrelas, morta a lua

Saudade tão somente continua

Tristeza prolifera como cuva.

Quem sabe tu virás depois da chuva

Trazendo em claridade todo o astral...

1957

Trazendo em claridade todo o astral

Belezas encontradas no passado

Permitem que eu caminhe lado a lado

Com sonho tão gostoso, magistral.

No porto de teus braços, minha nau

Demonstra um tempo novo anunciado,

Deixando bem distante amargurado

Caminho que se fez sempre venal.

Amor que é canibal durante a noite,

Dos lábios e dos dedos, como açoite

Cativa enquanto marca e traz suores.

Bebendo com fartura estes licores

Não deixo de querer tanta fartura

No campo desenhado por ternura...

1958

No campo desenhado por ternura

Adentro toda noite sem juízo,

Sentindo no teu rosto este sorriso

Encontro o que a vontade já procura.

No corpo da mulher, bela moldura,

A tela desenhada em tom preciso

Trazendo todo o brilho em que matizo

Clareia num delírio a noite escura.

Transcorre libertária a madrugada

Ao vislumbrar divina e louca estrada

Levito de prazer me sinto um Deus.

Que a vida não prepare novo adeus

Nem mesmo um louva-deus eu quero ser,

Girassóis entre estrelas posso ver...

1959

Girassóis entre estrelas posso ver

Rondando a nossa cama em noite imensa...

Bebendo gota a gota a recompensa

Que é feita com ternura em bel prazer.

Incendiando tudo eu quero crer

No bem que se mostrando nos convença

Amor desenha em belo templo a crença

Trazendo a dois amantes o poder.

O canto que me encanta, um desafio,

Andorinhas penduradas neste fio

Aguardam a final arribação.

Será que nosso amor vence o verão?

Amor que imaginei um girassol,

No inverno servirá como farol?

1960

No inverno servirá como farol

Teu corpo incandescendo minha cama.

Não quero em nossa vida qualquer drama

A boca se prendendo neste anzol.

De todas as vontades sei o rol

E nelas eu mergulho enquanto chama

A vida desse jeito não reclama,

Ninguém merece ser simples atol...

Nascendo pra brilhar e ser feliz,

Vivendo este desejo amor nos diz

Que tudo o quiser acaba sendo.

Não tendo mais segredos, sigo em frente,

Enquanto amo nos toma de repente

O medo vai distante, se perdendo.

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