segunda-feira, 24 de abril de 2006

A RESPOSTA DO GECA TATU - CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

RESPOSTA DO GECA TATUCATULO DA PAIXÃO CEARENSE
Seu dotô!... Venho dos brêdo
só pru móde arrespondê
toda aquela farunçage
que vancê foi inscrevê
Eu não sei lê, mas porém
o seu padre capelão
que sabe lê munto bem,
leu prá nós tudo, im tres mez
o seu bunito sermão
Me dissérum, cá na corte,
que o seu doutô faz aquilo
de cabeça e sem trabáio!...
Vancê tem fôrgo de gato
e língua de papagaio!
Não têje vancê jurgando
que eu sejê argum canguçú!
Não sou não, seu conseiêro!
Sou do Norte!... Eu sou violêro,
e vivo naquelas mata,
como véve um sanhassú.
Vassuncê já me cunhece!
Eu sou o Geca-Tatú!!
Os hôme cá da cidade
me agarante que o sinhô
é o prêmêro entre os prêmêro,
é o mais grande brasilêro,
é o Dunga dos inscriptô!
Mas porém macaco véio
não mete a mão im cumbuca
vazia ansim, seu doutô!
Nós tudo já tá cansado
desta vida de rocêro,
prá dá mío a tanto galo
que só canta no polêro.
Meu patrão e os cumpanhêro,
só leva a falá de lêzes,
que é uma grande trapaiada,
imquanto nós leva a vida
surrando as mão c'uma inxada.
Cum toda essa mapiage,
vassuncê, seu senadô,
nunca um dia se alembrou
que lá, naquelas parage,
a gente morre de sêde
e de fome... sim sinhô!
Vassuncê só abre o bico
prá cantá cumo um cancão
quando qué faze seu ninho
nos gáio d'uma inleição!
Vassuncê, que sabe tudo,
é capaz de arrespondê
quando é que se ouve nos mato
o canto do zabelê!?
Im que hora é que o macuco
se põe-se mais a piá?
E quando é que a jacutinga
tá mió de se caçá?
Quando o urú, entre as foiage,
sabe mais assuviá?
Quá é, de todas as árve,
a mais dereita e impinada?
E a que tem o pau mais duro,
e a casca mais incourada?
-Vancê não sabe quá é
a madêra que é mai boa
prá fazê-se uma canoa!!!
Vancê, no meio da trópa
dos cavalo, seu doutô
óiando pros animá,
sem vê um só se movê,
não é capaz de iscuiê
um cavalo isquipadô!
Eu queria vê vancê,
no meio d'uma burrada
somentes pulo um isturro,
dizê, im conta ajustada,
quantos ano, quantas manha,
quantos fío tem um burro!
Vancê só sabe de lêzes
que se faz cum as duas mão!...
Mas porém não sabe as lêzes
da natureza e que Deus,
fez prá nós, cum o coração!
Vancê não sabe cantá
mais mió que um curió
gemendo á bêra da estrada!
Vancê não sabe inscrevê
no papé, feito de terra,
quando a tinta é a do suó,
e quando a pena é uma inxada!
Se vancê não sabe disso,
não póde me arrespondê!...
Óia aqui, seu conseiêro!...
Deus não fez as mãos do hôme
somentes prá ele inscrevê!
Vassuncê é um senadô,
é um conseiêro, é um doutô!
É mais que um Imperadô !..
É o mais grande cirdadão!...
Mas porém eu lhe agaranto
que nada disso seria,
naquelas mata bravia,
das terra do meu sertão!!
A mizéra, seu doutô,
tômbém a gente consola!
O orgúio é que mata a gente!...
Vancê qué sê Perzidente
e eu só quero sê rocêro
e tocadô de viola!
Vancê tem todo o derêto
de ganhá os CEM prú dia,
prá mió pudê fala!!
Mas, porém o que não póde
é a inguinorana insultá!
A gente, seu Conseiêro,
tá cansado de esperá!!
Vancê diz que a gente véve
cum a mão no quêxo, assentado,
sem fazê caso das coisa
que vancê diz no Senado!
E vassuncê tem rézão!
Se nós tudo é anarfabeto,
cumo é que a gente vai lê
toda aquela falação?!
Prá dizê que dois cum dois
faz quatro, seu Conseiêro,
vance gsta seis tintêro
e fala uma noite toda,
e um dia todo, intêrinho!
Vossa Incerlença parece
a cumade Ginuvéva
quando intica cum os vizinho.
Preguiçoso?! Madracêro?!
Não sinhô, seu conseiêro!!
É pruquê vancê não sabe
o que sêje um boiadêro
criá, com tanto cuidado
,cum tanto amô e alegria,
umas cabeça de gado,
e, despois, a impidemia
carregá tudo, cum os diabo,
in mêno de quatro dia!
É pruquê vancê num sabe
o trabáio disgraçado
que um homê tem, seu doutô,
de incoivará um roçado,
e, quando o ouro do mío
vai ficando imbonecado
prá gente entonce cuiê,
o mío morre de sêde,
pulo só inturricado,
sequinho, cumo vancê.
É pruquê vancê não sabe
quanto custa um pai sofrê
vendo o fío crescendo,
dizendo sempre: Papai!!!
Vem me ensiná o ABC!
Óia aqui , seu Senadô!
NÃO É SÓ UMA QUESTÃ DE NOME!!
EU SÓ VOTAVA PRÁ UM HOME
SÊ PERZIDENTE, SE O CABRA
JÁ SUBESSE O QUE ERA FOME!!
EU NÃO QUERIA SABÊ
SE ELE ERA, CUMO VANCÊ,
UM DOUTÔ DE FALAÇÃO.
ABASTA SÓ QUE ESSE HÔME
FOSSE UM BURRO, CUMO EU,
MAS, PORÉM UM BOM CRISTÃO!
PRÁ SARVÁ O MUNDO INTÊRO,
ABASTA TÊ CORAÇÃO!
Se eu subésse, meu sinhô,
inscrevê, lê e contá.
entonce, sim, eu havéra
de sabê cumo assuntá!
Tarvez vancês não dêxasse
os sertanejo morrendo,
pió que fosse animá!
Prú móde a politicáia,
vancê qué que um home sáia
do sertão, prá vim votá
im Joaquim, Pedro ou Francisco,
quando vem sê tudo iguá!?
Preguiçoso?!... Madracêro?!...
Não sinhô !... Seu conseiêro!
Vancê num sabe de nada!
Vancê num sabe a corage
que é percizo um hôme tê,
prá corrê nas vaquejada!
Vossa incerlença não sabe
o valô d'um sertanejo
acerando uma quêmáda!
Vancê mente, sim sinhô!
O cabôco brasilêro
tem munto brío e valô!!
Nós é que já tá cansado
de trabaiá prôs doutô!
A gente não faz questã
de levá um dia intêro
cum uma inxadinha na mão!
A gente péde, somentes,
prá vancês não se esquecê
que nós tudo sêmo érmão!
Vancê tem um casarão!
Tem um jardim e uma xáca!
Tem criado de casaca!
E ganha, todos os dia,
-qué chova, qué faça só
-só pra falá, Cem mir ré!
Eu trabáio o ano intêro,
somentes quendo Deus qué!!
Eu vivo da minha roça,
me isfarfando, cumo um burro,
prá sustentá quinze fío,
minha mãe, minha muié!
Eu drúmo im riba d'um couro
n'uma casa de sapé!!
Vancê tem seu ôtrômóve!
Eu, prá vi no apovoádo,
ando dez léguas de pé!
Neste mez amarfadado,
prú vía de não chuvê,
ví a róça do feijão,
à farta d'água, morrê!!
o Só têve tão ardente
lá prôs lado do sertão,
que im mêno de quinze día,
perdi toda a criação!
A minha vaca - a Férmosa,
que amava cum tanto amô,
pul'uma suructinga
foi mordida, sim sinhô!
N a sumana arretrazada,
o vento tanto ventô,
que a páia que cobre a choça,
foi prús mato!...Avuô!!
Minha muié tá morrendo
só prú farta de mêzinha,
e prú farta d"um doutô!
Minha fía, que é bunita,
bunita cumo uma frô,
seu doutô! Não sabe lê!
E o Juquinha, que inda tá,
chêrando mêmo a cuêro,
e já puntêia a viola,
se intrásse lá prá uma escola,
sabia mais que vancê!
Prá falá de tantas lêzes,
vancê viveu assuntando,
nesta grande bibrotéca,
mais de quarenta janêro!
Inquanto lá no sertão,
o Antonio da Caturrita,
garrando o braço d'um pinho,
saluça, n'um disafio,
tres noite e tres dia intêro!
E, inda que prú má prêgunto,
vassuncê, que sabe munto,
diga, sem tutubiá:
- Quem foi que ensinou o Antonio
e o Mundico Cachacêro,
tanta coisa prá canta?!
Eu digo a vossa Incerlença
que isso é que é inteligença:
o sabê, sem se estudá!!!!
Preguiçoso?!... Madracêro?!
Não sinhô seu conseiêro!!
Vossa incerlença não viu
um cabôco istruviado,
c'um cravinote ou garruncha,
ispantá um bataião
d'uma prução de sordado!!
Vossa Incerlença parece
que não lê munto essas coisa
ou finge que nunca lêu!
Vancês têm munto talento!!!
Mas porêm pérciza tento,
cum a fôme e cum o sofrimento"...
Quem lhe agarante sou eu!
Vancê diga aos cumpanhêro,
que um cabra - o Zé das Cabôca,
anda cantando estes verso,
que, hoje, no meu sertão,
avôa de boca em boca;
"Eu prantei a minha roça!
O tatú tudo comeu!
Prante roça quem quizé,
que tatú quero sê eu!"
Vassuncê sabe onde tá
os buraco adonde véve
os tatú isfomeado?
-Tá nos palaço da Côrte,
dessa prução de ricaço,
que fez aqueles palaço
cum o sangue dos disgraçado!
Vossa Incerlença pércisa
dizê prús repubricano
que é percizo tê cuidado!!!
Patrão!...Vassuncês tem tudo!
Vancês tudo, leva a vida
munto bem adivértida,
passeando lá de ôtrômóve,
pula estrada da avenida!
Vancês tem rio de açude!!
Tem os doutô da Hingiena,
que é prá cuidá da saúde!
E nós?! Que tem? Arresponda!
No tempo das inleição,
que é tempo das bandaêra,
nós só tem uma cangáia,
prá levá toda a porquêra
dos doutõ politicáia!
Sinhô Doutô Conseiêro!
De lezes eu não sei nada!...
Meu dêrêito é a minha inxada!
Meu palaço é de sapé!
Quem dá lezes prá famía,
e a minha bôa muié!
Sou fromado quinze veis,
e sou tômbêm conseiêro,
pois tenho quinze fiínho!
Quem dá lezes prá minh'arma
é as dez corda deste pinho!
Vancê qué sê Pérzidente!
Apois sêje, meu patrão!...
Nós já ficava contente,
se vancês desse prá gente,
uns restozinho de pão
A nossa terra - o Brazí
-já tem munta inteligença!!
Muntos hôme de sabença,
que só dá pra espertaião!!!
O que nós pede é a Piedade!
É um tico de Caridade,
prá nós vivê, cumo érmão!
Leve o diabo a falação!
Prá sarvá o mundo intêro,
abasta tê coração!
Pros hôme de inteligença,
trago cumigo esta FIGA:
Esses hôme têm cabeça,
mas porém, o que é mais grande
do que a cabeça é a barriga!!!
Vancê, quando faz sermão,
fala munto im riligião!
Apois bem, Nosso Sinhô,
que nasceu num prezepinho,
falava munto pouqinho,
cum clarêza e cum amô!
ELE, o Doutô dos doutô,
que era o exêmpro da humirdade,
escuiêu, prá seus apóstro,
entre os rico da cidade,
doze pobre, cumo Pedro,
que era um pobre pescadô!
E inté os pé desses hôme
o Cristo, um dia lavô!!!
Seu Conseiêro, um consêio!!
Dêxe toda a bibrotéca
dos livro, essa estupidêza,
vá estudá o Dêrêito
das lêzes na naturêza!
Vá vê cumo Deus é grande
e cumo póde ensiná,
as coisa que um hôme sabe,
sem sê percizo estudá!
Vancê leva, nestes livro
lendo e lendo, a toda hora!!
Mas porêm, eu só queria
cunhecê, seu consêiêro,
o que vancê inguinóra!
E abasta! Já vou me embora.
Si um dia vancê quizé
passá uns dia de fôme,
de fôme e tarvez de sêde,
e drumi lá n'uma rêde,
n'uma casa de sapé,
vá passá cumigo uns tempo
nos mato do meu sertão,
que eu hei de li abri as portas,
da choça e do coração.
Eu vórto pro matagá,
mas porém, ouça premêro,
vancê póde nos xingá,
nos chamá de madracêro,
pruquê nóis, seu Consêiêro,
não qué mais sê bestaião.
Inquanto os hôme de riba
dexá nós tudo mazômbo,
e só cuidá dos istômbo,
e só tratá de inleição,
seu Conseiêro há de vê,
pitando o seu cachimbão.
o Géca-Tatú se rindo,
cuspindo, sempre, cuspindo
ôiando ansim, prá vancê,
cum o quêxo sempe na mão!
Eu sei que sou um animá!
Eu num sei mêmo o que eu sou!
Mas porém eu li agaranto,
que o que vancê já falo
e o que inda tem de falá,
e o que inda tem de inscrevê...
Todo, todo o seu sabê,
e toda a sua saranha,
não vale uma palavrinha,
daquelas coisas bunita,
que JESUS, n'uma tardinha,
disse im riba da montanha!

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