quinta-feira, 25 de maio de 2006

ECT - CARTA ENVIADA A UMA DELEGACIA DE SÃO PAULO

“Doutor me desculpe esse meu desabafo, sou uma mulher brasileira, trabalhadora, pobre e honesta.
Tenho quatro filhos, eu sei que é muito, o pessoal todo me diz isso, mas não foi por querer não, eu tinha tido até vontade de ter menos, mas ao remédio de evitar, muitas vezes não tinha no posto e dinheiro pra gastar, o senhor sabe como é...
Pois bem, dos meus meninos, o mais novo era o melhor deles, doutor. Menino bom, bom filho, bom irmão.
Os outros até que não falo nada, a menina embuchou novinha, tava com 15 anos, o pai, sei lá... Acho que era meio bandido, mas agora não tenho mais certeza não, seu doutor.
Morreu, segundo eles falam, numa troca de tiros.
Eu sei que ele usava droga, acho que era maconha, mas não tenho certeza não.
Tudo bem, tava no caminho errado, mas meu filho doutor...
Meu filho tinha só 19 anos, estava estudando, fazia um curso pra torneiro mecânico, era trabalhador, menino bom seu doutor.
Eu costumo rezar todos os dias para Nossa Senhora Aparecida proteger o menino, eu sou muito católica, batizei todos eles ali na Igreja do Bairro.
O Padre é muito amigo da gente, moço novo, seu doutor.
Eu sei que meu menino, nessa terça feira foi trabalhar, como todo dia ele faz. Trabalha muito pra poder ter dinheiro pra comprar aquela moto, era o sonho dele, a moto e a namorada.
Moça bacana, família simples como a minha, gente honesta e humilde, seu moço.
O irmão dela trabalha na polícia e eu sei que eles ganham pouco, eu sei da dificuldade de ser policial aqui em São Paulo.
Mas, doutor, eu já estava imaginando o que ia acontecer, bem que eu falei para ele: Renato, não vai hoje na casa da Patrícia não, a situação está complicada.
Eu tinha visto, na televisão, aquela covardia que tinham feito com os policiais, seu doutor, achei aquilo tudo muito ruim.
Ainda bem que o irmão da Patrícia está bem, não houve nada com ele não.
Bem que eu falei pra ele, ”meu filho, não deixa sua mãe nervosa não, fica em casa...”.
Mas o senhor sabe como é moço jovem né doutor? Namorada morando perto é difícil segurar a saudade. Depois da aula ele cismou de passar na casa da menina, ela me disse que foi só pra d ar uns beijinhos e dizer boa noite.
Depois disso, seu moço, não tive mais notícia dele não.
Os colegas dele dizem que viram a moto dele jogada no chão e depois ela sumiu.
Ela e ele, meu menino.
Os cadernos dele ainda estavam no chão e a tinta que estava na capa seu doutor, não era aquela azul que ele usava não.
Era de um vermelho forte e, engraçado, manchava todas as folhas brancas, ainda não preenchidas da vida e do futuro do meu filho, seu doutor.
Qualquer notícia que o senhor tiver dele, por favor, me chama, eu me chamo Maria das Dores, moro aqui na rua..., número...
Por favor, doutor, não esqueça de mim não, eu espero no dia das mães do ano que vem poder estar com o meu menino, e que as folhas do caderno possam estar escritas com o azul e não com essa tinta vermelha e esse vazio de agora.
Muito obrigada por tudo. Dessa sua criada Maria das Dores"

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