quarta-feira, 21 de junho de 2006

Quanto custa um mecenas...

Francisco Caçapa era uma das figuras mais conhecidas de Muriaé. Tido como extremamente culto, seus conhecimentos não ultrapassavam as sinopses, as manchetes de jornal, as orelhas dos livros e os comentários sobre esses.
A partir de tal conhecimento, intervinha em todos os assuntos que, porventura, alguém colocava em debate.
Como todo bom farsante, freqüentava com assiduidade ímpar, os botecos da cidade.
Casara com Leonor, dona de rara beleza, quando essa estava aflorando os seus quinze anos, menina pobre, ludibriada pela boa conversa do falsário.
Com o tempo, e a continuidade dos estudos, começara a perceber que entrara realmente em uma canoa mais do que furada, arrombada.
Terminando a faculdade de História, começara a lecionar nos colégios da cidade, inclusive no Estadual, onde conseguira, via concurso público, um cargo efetivo.
Paralelamente a isso, Francisco, percebendo que a esposa era auto suficiente economicamente, deu maior vazão à sua vocação natural.
“Intelectual que se preza, vive para aprofundar seus conhecimentos, e o trabalho formal é incompatível com essa árdua missão de penetrar nos mistérios da humanidade”; dizia, citando um pobre coitado que escolhera para fonte de suas máximas.
Além de tudo, Francisco era um admirador dos generais que governavam esse país, citando como exemplo de dignidade uma meia dúzia de pessoas ligadas ao poder.
Arenista de primeira hora, nacionalista como poucos, achava realmente que o país estava num momento mágico. Odiava, portanto qualquer coisa que cheirasse a esquerda, xingando a quem não gostava de ofensas como “comunista de meada”, “subversivo”, essas coisas...
Uma de suas principais vítimas era Eduardo, professor de Geografia, colega de Leonor.
Rapaz franzino, oriundo do “morro da rádio”, bairro proletário de Muriaé, estudara com muitas dificuldades, formando-se em Itaperuna, cidade próxima.
Francisco, como todo bom vagabundo falaz, resolveu se candidatar à vereança local.
Filiado à Arena 1, contava a eleição como certa, acreditando na “amizade” de seus pares e na admiração dos mais humildes.
Em primeiro lugar, os que ele achava que eram seus iguais, simplesmente se divertiam às suas custas, observando o pensamento obtuso e inconseqüente.
Os mais simples odiavam a conduta pernóstica e o narcisismo.
A fama de vagabundo suplantara, há muito a de “intelectual”.
Nessa mesma eleição, Eduardo, movido pelo sentimento de mudança e pelo sonho libertário da juventude, resolveu se filiar ao MDB e se candidatar também.
Leonor, já há um tempo, mantinha encontros escondidos com Edu. Sendo que tinham uma casa em Itaperuna, especialmente montada para esses encontros.
O divórcio ainda não havia e a situação de uma mulher “separada” perante a hipócrita sociedade tradicionalista de Muriaé impedia-na de agir com mais firmeza.
A situação dela, perante a candidatura do marido e do amante, ficara um tanto quanto difícil.
No dia da eleição, uma surpresa.
Nenhum dos dois se elegeu, mas, para surpresa de Francisco, a seção eleitoral onde ele e sua esposa votaram só contabilizou um voto para ele.
Pediu recontagem e bradou aos quatro cantos que a eleição fora fraudada.
Nada adiantou o voto solitário não encontrou par na recontagem.
Ameaçou, bradou, xingou indo quase às vias de fato com Leonor.
Mas, conformou-se.
A partir daquele dia, encerrou sua carreira política.
Leonor, cada vez mais abertamente, começou a freqüentar Itaperuna todas as semanas.
Francisco começou a perceber o preço que cobra um Mecenas.

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